sexta-feira, 17 de abril de 2015

EIXOS DE TRABALHO DA EDUCAÇÃO INFANTIL



Os eixos da Educação Infantil

Movimento
O movimento é uma importante dimensão do desenvolvimento e da cultura humana. As crianças se movimentam desde que nascem, adquirindo cada vez maior controle sobre seu próprio corpo e se apropriando cada vez mais das possibilidades de interação com o mundo. Engatinham, caminham, manuseiam objetos, correm, saltam, brincam sozinhas ou em grupo, com objetos ou brinquedos, experimentando sempre novas maneiras de utilizar seu corpo e seu movimento. [...] O movimento humano, portanto, é mais do que simples deslocamento do corpo no espaço: constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre o meio físico e atuarem sobre o ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo. [...]
O trabalho com movimento contempla a multiplicidade de funções e manifestações do ato motor, propiciando um amplo desenvolvimento de aspectos específicos da motricidade das crianças, abrangendo uma reflexão acerca das posturas corporais implicadas nas atividades cotidianas, bem como atividades voltadas para a ampliação da cultura corporal de cada criança.

Música

A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas etc. [...]
A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos, assim como a promoção de interação e comunicação social, conferem caráter significativo à linguagem musical.

Artes Visuais

As Artes Visuais expressam, comunicam e atribuem sentido a sensações, sentimentos, pensamentos e realidade por meio da organização de linhas, formas, pontos, tanto bidimensional como tridimensional, além de volume, espaço, cor e luz na pintura, no desenho, na escultura, na gravura, na arquitetura, nos brinquedos, bordados, entalhes etc.[...]
Tal como a música, as Artes Visuais são linguagens e, portanto, uma das formas importantes de expressão e comunicação humanas, o que, por si só, justifica sua presença no contexto da educação, de um modo geral, e na educação infantil, particularmente.

Linguagem Oral e Escrita

A aprendizagem da linguagem oral e escrita é um dos elementos importantes para as crianças ampliarem suas possibilidades de inserção e de participação nas diversas práticas sociais.
O trabalho com a linguagem se constitui um dos eixos básicos na Educação Infantil, dada sua importância para a formação do sujeito, para a interação com as outras pessoas, na orientação das ações das crianças, na construção de muitos conhecimentos e no desenvolvimento do pensamento.
Aprender uma língua não é somente aprender as palavras, mas também os seus significados culturais, e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio sociocultural entendem, interpretam e representam a realidade.
A educação infantil, ao promover experiências significativas de aprendizagem da língua, por meio de um trabalho com a linguagem oral e escrita, se constitui em um dos espaços de ampliação das capacidades de comunicação e expressão e de acesso ao mundo letrado pelas crianças. Essa ampliação está relacionada ao desenvolvimento gradativo das capacidades associadas às quatro competências linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever.

Natureza e Sociedade

O mundo onde as crianças vivem se constitui em um conjunto de fenômenos naturais e sociais indissociáveis diante do qual elas se mostram curiosas e investigativas. Desde muito pequenas, pela interação com o meio natural e social no qual vivem, as crianças aprendem sobre o mundo, fazendo perguntas e procurando respostas às suas indagações e questões. Como integrantes de grupos socioculturais singulares, vivenciam experiências e interagem num contexto de conceitos, valores, ideias, objetos e representações sobre os mais diversos temas a que têm acesso na vida cotidiana, construindo um conjunto de conhecimentos sobre o mundo que as cerca. [...]
O eixo de trabalho denominado Natureza e Sociedade reúne temas pertinentes ao mundo social e natural. A intenção é que o trabalho ocorra de forma integrada, ao mesmo tempo em que são respeitadas as especificidades das fontes, abordagens e enfoques advindos dos diferentes campos das Ciências Humanas e Naturais.

Matemática

As crianças, desde o nascimento, estão imersas em um universo do qual os conhecimentos matemáticos são parte integrante. As crianças participam de uma série de situações envolvendo números, relações entre quantidades, noções sobre espaço. Utilizando recursos próprios e pouco convencionais, elas recorrem a contagem e operações para resolver problemas cotidianos, como conferir figurinhas, marcar e controlar os pontos de um jogo, repartir as balas entre os amigos, mostrar com os dedos a idade, manipular o dinheiro e operar com ele etc. Também observam e atuam no espaço ao seu redor e, aos poucos, vão organizando seus deslocamentos, descobrindo caminhos, estabelecendo sistemas de referência, identificando posições e comparando distâncias. Essa vivência inicial favorece a elaboração de conhecimentos matemáticos. Fazer matemática é expor ideias próprias, escutar as dos outros, formular e comunicar procedimentos de resolução de problemas, confrontar, argumentar e procurar validar seu ponto de vista, antecipar resultados de experiências não realizadas, aceitar erros, buscar dados que faltam para resolver problemas, entre outras coisas. Dessa forma, as crianças poderão tomar decisões, agindo como produtoras de conhecimento e não apenas executoras de instruções. Portanto, o trabalho com a Matemática pode contribuir para a formação de cidadãos autônomos, capazes de pensar por conta própria, sabendo resolver problemas. [...]
O trabalho com noções matemáticas na educação infantil atende, por um lado, às necessidades das próprias crianças de construírem conhecimentos que incidam nos mais variados domínios do pensamento; por outro, corresponde a uma necessidade social de instrumentalizá-las melhor para viver, participar e compreender um mundo que exige diferentes conhecimentos e habilidades.
Fonte: BRASIL.Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação.
Fundamental referencial curricular nacional para a Educação Infantil. Brasília: ME; SEF, 1998.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf
ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS PARA O TRABALHO NA EDUCAÇÃO INFANTIL


Educar e cuidar


Educar

Nas últimas décadas, os debates em nível nacional e internacional apontam para a necessidade de que as instituições de Educação Infantil incorporem de maneira integrada as funções de educar e cuidar, não mais diferenciando nem hierarquizando os profissionais e instituições que atuam com as crianças pequenas e/ou aqueles que trabalham com as maiores.

Cuidar

Contemplar o cuidado na esfera da instituição da Educação Infantil significa compreendê-lo como parte integrante da educação, embora possa exigir conhecimentos, habilidades e instrumentos que extrapolam a dimensão pedagógica. Ou seja, cuidar de uma criança em um contexto educativo demanda a integração de vários campos de conhecimentos e a cooperação de profissionais de diferentes áreas.
A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se desenvolver como ser humano. Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva e implica em procedimentos específicos.
Fonte: BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC; SEF, 1998.

O papel do professor na Educação Infantil

O papel do professor é fundamental, pois o bom andamento das atividades de ensino depende diretamente da ação docente, de como se faz a mediação conhecimento/criança. Compreende-se como importante característica do profissional de Educação Infantil a busca constante por aprender sobre o desenvolvimento da criança, sua forma de ver e sentir o mundo, criando oportunidades para ela manifestar suas ideias, sua linguagem, seus sentimentos, sua criatividade, suas reações, suas relações sociais e sua imaginação.
Na ação pedagógica, deve-se compreender o ato de brincar como estratégia permanente da prática educativa e oferecer aos alunos um ambiente com espaços e materiais organizados que propiciem desafios e diferentes manifestações infantis, potencializando assim sua expressão por meio de diferentes linguagens, movimentos, imaginação, criatividade, emoções, socialização, autonomia, conhecimento de mundo, pensamentos e sentimentos.
Ter uma boa interação, estabelecer um trabalho conjunto com outros profissionais de modo integrado e relacionar o ato de educar e ensinar de maneira responsável, reconhecendo a criança como um ser inteiro, são características que o professor deve cultivar de maneira ética, respeitando os demais profissionais, os alunos e as famílias.
Importante também ser criativo e paciente nas relações, ter disponibilidade para brincar com os alunos, exercitar o olhar e a escuta infantil e reconhecer que a educação, especialmente nesta fase, é um ato de amor, de construção, de exploração de potencialidades, de busca e de descoberta.
O papel do professor é fundamental para a organização do espaço e do tempo necessários para a aprendizagem da criança.
Para que o conhecimento matemático se efetive na Educação Infantil, é necessário que, em toda situação apresentada em sala de aula, o professor teça comentários, formule perguntas, provoque desafios e incentive a verbalização e a representação escrita do aluno. Isso vai permitir que este faça descobertas, exponha e argumente ideias próprias, estabeleça relações, organize o pensamento e localize-se espacialmente.

A afetividade na Educação

Afetividade vem do verbo afetar e mostra como podemos influir positiva ou negativamente no desenvolvimento dos alunos por meio de nosso comportamento em sala de aula e de como ensinamos, ou seja, como lidamos com os conteúdos e como é nossa relação com os alunos.
Segundo especialistas, o desenvolvimento da autoestima por meio do exercício da afetividade é um grande tema transversal e eixo fundamental na proposta pedagógica de qualquer curso. Sabe-se hoje que aprendemos mais e melhor se o fazemos num clima de confiança, de incentivo, de apoio, em meio a relações cordiais e de acolhimento.
A afetividade dinamiza as interações, as trocas, a busca, os resultados positivos. Facilita a comunicação, toca os participantes, promove a união. O clima afetivo prende totalmente, envolve plenamente, multiplica as potencialidades.
Por meio da educação, podemos ajudar a desenvolver o potencial de cada aluno, considerando suas possibilidades e limitações. Para isso, precisamos praticar a pedagogia da compreensão e do humanismo, e não a pedagogia da intolerância, da rigidez, do pensamento único, da desvalorização.
A pedagogia da inclusão não deve ser praticada somente com os alunos que estavam fora da escola ou simplesmente “recebê-los”, ela deve se constituir em uma verdadeira prática de acolhimento, por meio da qual incluímos os diferentes; os que nunca falam e os que falam demais; os muito quietos e os muito agitados; os mais rápidos e os mais lentos.
Por isso, é importante que alunos e professores desenvolvam autoconfiança, autoestima e respeito por si mesmos e pelos outros. Assim, será mais fácil aprender e comunicar-se com os demais. Sem autoestima, alunos e professores não estarão inteiros, plenos para interagir, e se verão como inimigos, quando deveriam ser parceiros.

A mediação do professor e sua importância no desenvolvimento dos alunos

O que é mediação?

Ser mediador é se posicionar literalmente entre o ensino e a aprendizagem, ou seja, é não dar respostas prontas, e sim estimular a busca de respostas promovendo a reflexão, mostrando os caminhos, compreendendo as dificuldades e o motivo de elas estarem ocorrendo. Dessa maneira, o professor-mediador estará colaborando para a construção da autonomia dos alunos - seja de pensamento seja de ação - ampliando a participação social e dinamizando o desenvolvimento mental deles, de forma a capacitá-los a exercer o papel de cidadão do mundo.

Resultados de uma mediação adequada

A mediação terá sucesso quando o professor:
  • interagir com a criança, e não coagi-la;
  • interagir com a criança procurando compreender seu mundo e o modo de ela vivenciá-lo; para isso, é preciso entender o universo dela e o processo que está em andamento;
  • considerando o conhecimento de mundo que a criança traz, valorizá-la, estimulá-la e proporcionar-lhe outros conhecimentos e outras leituras;
  • estimular a reflexão e a busca de respostas;
  • usar o “erro” da criança para buscar o “acerto”;
  • não ignorar nem desrespeitar as várias formas dialetais utilizadas pelos alunos. Ao contrário, num clima de respeito, desde a Educação Infantil, encorajar todas as crianças a falar, a escrever e a ler como sabem;
  • der voz à criança e orientá-la a respeitar a fala dos outros.

A brincadeira infantil: uma ação pedagógica

A brincadeira infantil representa o aprendizado. É uma ação privilegiada no desenvolvimento humano, principalmente na infância, pois é um meio para a elaboração e a reelaboração do conhecimento. Brincar é uma forma de ação cognitiva na qual a criança abstrai, interpreta e entende a realidade, pois simula essa realidade.
Os jogos promovem contextos ricos e desafiadores para o aluno explorar diferentes tipos de situações-problema. Por meio de situações lúdicas, a criança tem a oportunidade de se apropriar de novos conhecimentos, pois pode pensar, levantar hipóteses, confrontar estratégias, discutir, interagir com os colegas, com as situações e os objetos de conhecimento, comparando pontos de vistas diferentes e vivenciando verdadeiras e genuínas situações de comunicação.
O seu papel, nesse processo, é fundamental. Conhecer o jogo, criar e propor, com base nele, situações-problema desafiadoras é uma de suas tarefas, bem como observar as tentativas do aluno durante o jogo, apoiando-o quando surgirem as dificuldades e estimulando-o a desenvolver suas potencialidades. É preciso assegurar a cada participante do jogo o direito de pensar, expressar o pensamento, negociar as ideias e criar outras com base nas discussões realizadas, ou seja, ele dever ter o direito de viver intensamente o jogo de forma prazerosa e enriquecedora.


UMA HISTÓRIA DA LEITURA

 Alberto Manguel



O trecho que segue foi extraído do livro Uma História da Leitura, do escritor  argentino Alberto Manguel. Trata-se de um estudo profundo sobre o que a história registrou dos movimentos da leitura, desde as placas de argila da Suméria até os cibertextos ultramodernos. Manguel tem com a leitura uma convivência muito especial. Além de ensaísta, organizador de antologias, tradutor, editor e romancista, ele trabalhou dois anos como leitor do escritor (também argentino) Jorge Luís Borges, quando este já estava quase cego. Lendo para Borges (dos 16 aos 18 anos), o já apaixonado leitor tornou-se incurável! Uma História da Leitura é uma obra fundamental para todos os que desejam conhecer um pouco melhor a maravilhosa trajetória dos livros e seus diversos atores. Além de informações históricas preciosas, recheadas de relatos de sua própria vivência em meio aos livros, Manguel nos convida a refletir sobre a atividade da leitura e suas diversas “funções” e o nosso papel de leitor sob inusitados pontos de vista. Por esses bons motivos, selecionamos estes trechos das suas mais de 400 (belíssimas) páginas: 
(...) 
E, contudo, em cada caso é o leitor que lê o sentido; é o leitor que confere a um objeto, lugar ou acontecimento certa legibilidade possível, ou que a reconhece neles; é o leitor que deve atribuir significado a um sistema de signos e depois decifrá-lo. Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. 
Não podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial. Só aprendi a escrever muito tempo depois, aos sete anos de idade. Talvez pudesse viver sem escrever, mas não creio que pudesse viver sem ler. Ler – descobri – vem antes de escrever. Uma sociedade pode existir – existem muitas, de fato – sem escrever, mas nenhuma sociedade pode existir sem ler. De acordo com o etnólogo Philippe Descola, as sociedades sem escrita têm um sentido linear do tempo, enquanto nas sociedades ditas letradas, o sentido do tempo é cumulativo; ambas as sociedades movem-se dentro desses tempos diferentes, mas igualmente complexos, lendo uma infinidade de sinais que o mundo tem a oferecer. 
Mesmo em sociedades que deixaram registros de sua passagem, a leitura precede à escrita; o futuro escritor deve ser capaz de reconhecer e decifrar o sistema social de signos antes de colocá-los no papel. Para a maioria das sociedades letradas – para o Islã, para sociedades judaicas e cristãs, como a minha, para os antigos maias, para as vastas culturas budistas – ler está no princípio do contrato social; aprender a ler foi meu rito de passagem. 
(...) 
Seguindo os ensinamentos de Aristóteles, Agostinho sabia que as letras, “inventadas para que possamos conversar até mesmo com o ausente”, eram “signos de sons” que, por sua vez, eram “signos das coisas que pensamos”. O texto escrito era uma conversação, posta no papel para que o parceiro ausente pudesse pronunciar as palavras destinadas a ele. 
As palavras escritas, desde os tempos das primeiras tabuletas sumérias, destinavam-se a ser pronunciadas em voz alta, uma vez que os signos traziam implícito, como se fosse sua alma, um som particular. Diante de um texto escrito, o leitor tem o dever de emprestar voz às letras silenciosas, a scripta, e permitir que elas se tornem, na delicada distinção bíblica, verba, palavras faladas – espírito. As línguas primordiais da Bíblia – aramaico e hebreu – não fazem diferença entre o ato de ler e o ato de falar: dão a ambos o mesmo nome. 
Nos textos sagrados, nos quais cada letra e o número de letras e sua ordem eram ditados pela divindade, a compreensão plena exigia não apenas os olhos, mas também o resto do corpo: balançar na cadência das frases e levar aos lábios as palavras sagradas, de tal forma que nada do divino possa se perder na leitura. 
Minha avó lia o Velho Testamento dessa maneira, pronunciando as palavras e movendo o corpo de um lado para o outro, ao ritmo da prece. Posso vê-la em seu apartamento sombrio na Barrio del Once, o bairro judeu de Buenos Aires, entoando as palavras antigas do único livro da casa, a Bíblia, cuja capa preta lembrava a textura de sua própria tez pálida amolecida pela idade. Também entre os muçulmanos o corpo inteiro participa da leitura sagrada. No Islã, saber se um texto sagrado é para ser ouvido ou lido é uma questão de importância essencial... O estudioso de leis e teólogo Abu Hamid Muhammad al-Ghazali estabeleceu uma série de regras para estudar o Corão, segundo as quais ler e ouvir o texto lido tornaram-se parte do mesmo ato sagrado. A regra número cinco estabelecia que o leitor deve seguir o texto lentamente e sem nenhum atropelo a fim de refletir sobre o que está lendo. A regra número seis mandava “chorar. [...] Se não consegues chorar naturalmente, então força-te a chorar”, pois o pesar deve estar implícito na apreensão das palavras sagradas. A regra número nove exigia que o Corão fosse lido “alto o suficiente para que o leitor o escutasse, porque ler significa distinguir entre sons”, afastando assim as distrações do mundo externo. 
(...) 
Até boa parte da Idade Média, os escritores supunham que seus leitores iriam escutar, em vez de simplesmente ver o texto, tal como eles pronunciavam em voz alta as palavras à medida que as compunham. Uma vez que, em termos comparativos, poucas pessoas sabiam ler, as leituras públicas eram comuns e os textos medievais repetidamente apelavam à audiência para que “prestasse ouvidos” à história. Talvez um eco ancestral dessas práticas de leitura persista em algumas de nossas expressões idiomáticas, como quando dizemos “este texto não soa bem” (significando “não está bem escrito”); ou ainda este livro “fala” sobre revoluções e não este livro “trata” de revoluções. 
(...) 
Ler em voz alta, ler em silêncio, ser capaz de carregar na mente bibliotecas íntimas de palavras lembradas são aptidões espantosas que adquirimos por meio incertos. Todavia, antes que essas aptidões possam ser adquiridas, o leitor precisa aprender a capacidade básica de reconhecer os signos comuns pelos quais uma sociedade escolheu comunicar-se: em outras palavras, o leitor precisa aprender a ler. Claude Lévi-Strauss conta-nos que no Brasil, durante sua temporada entre os nhambiquaras, ao vê-lo escrever, eles pegaram o lápis e o papel, desenharam rabiscos imitando a escrita e pediram-lhe que "lesse” o que tinham escrito. Os nhambiquaras esperavam que seus rabiscos fossem tão imediatamente significantes para Lévi-Strauss quanto os que ele mesmo fizera. Para o antropólogo, que aprendera a ler numa escola européia, a noção de que um sistema de comunicação pudesse ser imediatamente compreensível a qualquer outra pessoa parecia absurda. Os métodos pelos quais aprendemos a ler não só encarnam as convenções de nossa sociedade em relação à alfabetização – a canalização da informação, as hierarquias de conhecimento e poder -, como também determinam e limitam as formas pelas quais nossa capacidade de ler é posta em uso. 
(...) 
Em todas as sociedades letradas, aprender a ler tem algo de iniciação, de passagem ritualizada para fora de um estado de dependência e comunicação rudimentar. A criança, aprendendo a ler, é admitida na memória comunal por meio de livros, familiarizando-se assim com um passado comum que ela renova, em maior ou menor grau, a cada leitura. Na sociedade judaica medieval, por exemplo, o ritual de aprender a ler era celebrado explicitamente. Na festa de Shavuot, quando Moisés recebia a Torá das mãos de Deus, o menino a ser iniciado era envolvido num xale de orações e levado por seu pai ao professor. Este sentava o menino ao colo e mostrava-lhe uma lousa onde estava escrito o alfabeto hebraico, um trecho das Escrituras e as palavras “Possa a Torá ser tua ocupação”. O professor lia em voz alta cada palavra e o menino as repetia. A lousa então era coberta com mel e a criança a lambia, assimilando assim, corporalmente, as palavras sagradas. 
(...) 
Cuba, 1865. Saturnino Martínez, charuteiro e poeta, teve a idéia de publicar um jornal para os trabalhadores da indústria de charutos, abordando não somente a política, mas publicando também artigos sobre ciência e literatura, poemas e contos. 
Com o apoio de vários intelectuais cubanos, Martínez lançou o primeiro número de La Aurora em 22 de outubro daquele ano. O editorial anunciava: “Seu objetivo será iluminar de todas as formas possíveis aquela classe da sociedade a que se dedica. 
Faremos tudo para que todos nos aceitem. Se não tivermos êxito, a culpa será de nossa insuficiência, não de nossa falta de vontade”.
(...) 
Mas Martínez logo percebeu que o analfabetismo impedia que La Aurora se tornasse realmente popular; na metade do século XIX, apenas 15% da população cubana sabia ler. A fim de tornar o jornal acessível a todos os trabalhadores, ele teve a ideia de realizar uma leitura pública. Aproximou-se do diretor do ginásio de Guanabacoa e sugeriu que a escola auxiliasse a leitura nos locais de trabalho. 
Entusiasmado, o diretor encontrou-se com os trabalhadores da fábrica El Fígaro e, depois de obter a permissão do patrão, convenceu-os da utilidade da empreitada. Um dos operários foi escolhido como lector oficial, e os outros o pagavam do próprio bolso. Em 7 de janeiro de 1866, La Aurora noticiava: “A leitura nas fábricas começou pela primeira vez entre nós e a iniciativa pertence aos honrados trabalhadores da El Fígaro. Isso constitui um passo gigantesco na marcha do progresso e do avanço geral dos trabalhadores, pois dessa maneira eles irão gradualmente se familiarizar com os livros, fonte de amizade duradoura e grande entretenimento”. Entre os livros lidos estavam o compêndio histórico Batalhas do Século, romances didáticos como O Rei do Mundo, do atualmente esquecido Fernández y González, e um manual de economia política de Flórez y Estrada. 

A ORGANIZAÇÃO PRÁTICA - LEITURA E LEITORES

Célia  Nascimento


Heráclito nos ensina que “ninguém desce duas vezes o mesmo rio, pois suas águas mudam constantemente”. O texto também muda a cada leitura porque o leitor coloca nele sua vivência, sua sensibilidade, sua visão particular do mundo e sua atitude naquele momento.
Trabalhar com a leitura na escola é querer descer o rio centenas de vezes. Mais que gostar de ler, é preciso ter extrema paciência com os textos e com as descidas, que não se esgotam jamais.
Possuir uma biblioteca, ou uma sala especial para a leitura, é uma importante conquista da escola para o desenvolvimento das atividades pedagógicas e para a formação de leitores. Ali,  todo o espaço, todo o tempo e toda a energia se destinam à prática de ler.
Os alunos precisam reconhecer na biblioteca (ou na sala de leitura) um local para o pleno exercício da leitura, para o acesso à informação e para tudo aquilo que pode estar na alquimia portador-texto-leitura. Com tal reconhecimento, esse ambiente já terá cumprido um importante papel: seduzir os alunos para seus encantos.
Exista ou não um ambiente privilegiado, o mais importante é mesmo o trabalho de leitura que se faz. A formação de leitores não depende da existência de um local determinado.
São infinitas as possibilidades de transformar a escola toda em espaço de leitura, principalmente a sala de aula – lugar eleito pela cultura escolar como privilegiado para os principais aprendizados.
É fundamental a existência, na escola, de um acervo organizado com carinho e com critério a partir das necessidades locais, abrangendo as distintas áreas de conhecimento, a diversidade de textos e de portadores: livros, revistas, gibis, jornais, folhetos e outros materiais.
Sempre que possível, convém complementar o acervo impresso com recursos da tecnologia de comunicação e informação: computador, aparelho de tevê, vídeo, som e outros.
Com o objetivo de formar usuários competentes da escrita e da informação, esses materiais e recursos precisam ficar sempre ao dispor dos alunos para que possam ser amplamente utilizados por eles.
O ideal é que se estabeleça um projeto compartilhado de leitura. Definindo coletivamente  as metas que pretendem alcançar em relação à prática de leitura, os educadores facilitam o próprio trabalho. Se não houver possibilidade de um educador assumir a coordenação geral, é  possível dividir as tarefas, partilhando entre vários professores a responsabilidade pelo projeto e  por seus desdobramentos.
A escrita e a leitura são instrumentos básicos em todas as áreas: os conteúdos de história, geografia ou ciências também são trabalhados por meio de textos. A própria matemática, muitas vezes considerada a vilã da escola, encanta quando a lemos através da obra  de Malba Tahan!
A leitura de materiais interessantes que tratam de conteúdos das diferentes áreas, habitualmente chamada complementar, na verdade é essencial. Por todas essas razões, a leitura  pode ter uma função aglutinadora, potencializando a construção de um projeto que envolve todos  os educadores. 
Mas nem só de leitura vivem os leitores... Não se pode esquecer da importância que tem  o contar. Toda a literatura vem da maravilhosa necessidade do homem de contar, contar e recontar histórias. Contar uma história é representar e, de certa forma, produzir um novo texto. É  um trabalho de co-autoria entre contador e autor.

Quando há uma biblioteca na escola
O trabalho de leitura na biblioteca pode ser organizado de diferentes maneiras: por faixa etária, por projetos de série, por necessidades específicas ou por outros critérios.
Uma excelente ideia consiste em dedicar um período a certos temas ou a certas necessidades: semana de contos de fadas, de folclore, de mitologia, de lendas, de contos de outros países ou de crônicas. Pode-se preparar uma ambientação adequada para cada assunto, aguçando a curiosidade dos alunos e mobilizando suas emoções.
Por exemplo, em uma eventual Semana de Contos Africanos, vale a pena conversar, mostrar imagens e ouvir músicas relacionadas com a África, falando da história e dos costumes do continente. Assuntos como contos de fada, folclore, mitologia, romances de cavalaria, histórias de humor ou grandes clássicos criam boas ocasiões para ambientações fantasiosas.
O empréstimo de livros, por sua vez, é uma prática que amplia o espaço da biblioteca até a casa  dos alunos, fazendo da leitura uma prática cotidiana. A possibilidade de levar livros para ler em casa contribui para o desenvolvimento de atitudes e procedimentos próprios de leitores reais: 
responsabilidade, cuidado, desenvolvimento de critérios de seleção para optar pela obra a tomar emprestada.
É sempre bom que o conteúdo do livro lido em casa seja socializado com os colegas de classe:  em rodas de leitura, por exemplo, nas quais os alunos contam o que leram, o que sentiram, o que aprenderam e o que mais gostaram em sua leitura.


E se não houver (ainda) uma biblioteca?
Tudo que se pode fazer em uma biblioteca, além do principal, que é a atividade de leitura, pode também ser feito na sala de aula: ambientações, “semanas” ou sistemas de empréstimo.
Inúmeras experiências extremamente bem-sucedidas em escolas que não dispõem de espaço para a biblioteca podem servir como exemplo. A proposta relatada a seguir já foi validada pelo sucesso e pela eficácia em várias escolas.
Trata-se do projeto de um acervo circulante, uma prática simples, de baixo custo e de fácil implementação.
O primeiro passo consiste em fazer a coleta e/ou a seleção de materiais de leitura, tendo como  critérios a qualidade e a diversidade. Os livros são colocados em caixas, com uma relação de todos os títulos.
Em seguida, os professores montam, em conjunto, um horário que garanta 20 ou 30 minutos de  leitura diária em cada classe e um esquema de circulação dos livros entre as classes. Todos convencidos de que esse será um tempo ganho, e não perdido, é só começar.
O horário previsto deve ser rigorosamente respeitado para não atrapalhar a rotina do próximo professor a receber o acervo. Terminado o tempo, os alunos param de ler no ponto em queestiverem - no dia seguinte, os livros virão novamente e eles poderão continuar a ler. Esse tipo de acervo não comporta o empréstimo de livros para os estudantes lerem em casa.
Enquanto os alunos estão lendo, o professor deve fazer a mesma coisa: nada de aproveitar o tempo para outras atividades (e nada de dispensar o acervo porque hoje temos coisas mais importantes a fazer).
A condição principal para o sucesso dessa proposta é a disciplina para realizá-la diariamente.
Assim se garante a prática permanente de leitura na classe – alem de muitas outras atividades que  se pode inventar.
Mesmo que haja uma biblioteca na escola, outra proposta importantíssima consiste em manter um acervo de materiais de leitura na própria sala de aula – a chamada biblioteca de classe.
Isso pode ser feito com doações das famílias, da comunidade e dos amigos. Se houver necessidade, e se for possível, o professor pode pedir para cada aluno comprar/doar um livro para montar esse acervo.
Nesse caso, cada criança precisa trazer um título diferente; em uma classe de 36 alunos, por exemplo, todos poderão ter a oportunidade de ler pelo menos 36 livros, considerando apenas o acervo da classe. Esse acervo precisa ser mantido em um armário, em uma estante ou em caixas, asseguradas as boas condições de armazenamento e conservação.

Para montar uma biblioteca
O espaço
A imagem clássica de biblioteca nos remete a uma sala ampla, muito silenciosa e com ambiente austero. No entanto, esse cenário sofreu profundas modificações, principalmente nas bibliotecas infantis: hoje as salas têm almofadas, tapetes, mesinhas... Até o silêncio é menos rigoroso, dando chance ao zunzunzum.
Todavia, mesmo que tenha perdido a austeridade, a biblioteca permanece intacta naquilo que podemos chamar sacralidade: continua a ser um lugar privilegiado para o mergulho na leitura. O espaço dedicado a ela talvez não tenha todos os atrativos de conforto e beleza desejáveis, mas ela precisa resguardar algumas características importantes:
* Ser arejada e limpa, para o bem-estar dos leitores e a boa conservação do material ali guardado;
* Ter espaço para os alunos sentarem: chão ou cadeiras. Muitas vezes, o chão é a melhor opção, pois sem móveis se ganha maior mobilidade e o nível de ruído pode ser mais baixo;
* Ser agradável: limpa, bem arrumada, organizada, com quadros e pôsteres na parede;
* Dispor de recursos que permitam utilizar o espaço para outras atividades: por exemplo,cortinas pretas para as portas e janelas, permitindo a projeção de filmes;
* Ser distante de locais de muita circulação ou onde ocorram atividades ruidosas: quadra, cantina ou pátio.

A utilização dos materiais
Os alunos precisam se sentir parte integrante do projeto de leilura na escola, usuários competentes de todo o saber documentado e acumulado nos textos que compõem o acervo. O conhecimento é democrático. Quanto mais os materiais forem lidos e utilizados, mais fácil e eficiente será a alquimia portador-texto-leitura.
É interessante garantir pelo menos uma aula semanal de biblioteca para cada classe e nessa ocasião apresentar, sempre que houver, as novidades do acervo. Além dessa aula, os alunos devem poder visitar, pesquisar e realizar empréstimos em horários definidos – horários que  precisam ser bem elásticos.
O espaço da biblioteca é, acima de tudo, um espaço de convivência. É fundamental permitir que  as crianças escolham os livros. Em um primeiro momento, talvez optem por livros com pouco texto. Mas, à medida que forem compartilhando, aprendendo e valorizando o ato de ler, com certeza suas escolhas se tornarão cada vez mais autônomas e pessoais.
O empréstimo de livros aumenta as chances e as oportunidades de ampliação do repertório de leitura e do nível de conhecimento do aluno. Uma boa ideia consiste em convidar também os pais de alunos para frequentar a biblioteca da escola. Quantos já tiveram essa oportunidade?
Quando as crianças puderem levar os materiais de leitura para casa, para estudar ou apenas para ler, é fundamental valorizar esse empréstimo, lembrando sempre que a leitura pode ser compartilhada por toda a família. 
Uma parte do acervo da escola pode ser cedida para a organização das bibliotecas de classe.
Também na classe os alunos precisam conviver com materiais de pesquisa e leitura – além disso, a sala de aula é um espaço privilegiado de socialização de preferências, impressões e opiniões a respeito dos textos lidos. E todos sabemos que um livro bem contado gera muitos candidatos a sua leitura.

O acervo
Atualmente, o mercado oferece uma infinidade de produtos que podem representar valiosos recursos de consulta: mapas geográficos, históricos e científicos; uma quantidade imensa de livros paradidáticos muito bem escritos e ilustrados; vídeos e DVDs históricos, científicos e de arte, muitos deles vendidos em bancas de jornal (alguns são muito bons, mas outros, de baixa qualidade. Antes de decidir comprar, procure obter informações).
O acervo não deve prescindir de revistas (principalmente as de ciências, as geográficas e as de educação), jornais, histórias em quadrinhos, boas fitas de música – que podem ser gravadas com  a ajuda de alunos – e, evidentemente, de um bom dicionário e uma boa enciclopédia.
A organização do acervo precisa ser feita de forma funcional, atendendo às necessidades da escola. Mais importante do que adotar normas internacionais de catalogação e distribuição do material é uma organização racional e harmônica, que deixe tudo à mão para o aluno localizar com facilidade e utilizar.

Para compor ou ampliar o acervo
A seguir, algumas sugestões para criar e organizar o acervo da escola.
* Solicitar catálogos às editoras e livrarias. Eles permitem conhecer os títulos disponíveis e com frequência contêm informações e dicas a respeito dos livros.
* Quando possível, solicitar a visita de representantes de editoras (ou inserir a escola em seus cadastros). É comum as editoras doarem livros para análise e conhecimento. Além disso, elas mantêm a escola informada acerca dos lançamentos.
* Acompanhar os lançamentos editoriais em jornais, revistas ou outras fontes.
* Solicitar doações a editoras, livrarias, bibliotecas públicas, museus, centros culturais e a instituições ligadas à educação e grandes empresas, que costumam editar livros  comemorativos (Sesc e Senac, por exemplo).
* Sempre que possível, garimpar sebos à procura de raridades – ou mesmo de livros não raros, mas de custo reduzido.
* Acompanhar a programação da tevê para selecionar programas que possam ser gravados.

BIBLIOTECA COMO AGENTE CULTURAL

Célia Nascimento

Acreditamos que a biblioteca seja um local privilegiado para a discussão e fomentação cultural da escola. Raramente encontramos nas escolas departamentos culturais organizados como tais, e as bibliotecas conseguem suprir essa lacuna de maneira bastante eficaz. Tendo em seu acervo inúmeros materiais e recursos à sua disposição, a biblioteca ou sala de leitura pode tornar-se local de referência para as atividades culturais da escola e ponte para as atividades culturais da cidade.
Seja realizando tarefas simples, como manter um painel de informações dos eventos culturais publicados em jornais e revistas, seja sendo o agente responsável pela realização de eventos na escola, a biblioteca pode responsabilizar-se por auxiliar a levar cultura e entretenimento aos alunos, pais e educadores. Falamos em auxiliar, pois essa é uma tarefa que  compete a outras instâncias também.
Acreditamos também que atividades culturais sejam imprescindíveis na escola: música, teatro, literatura, cinema fazem parte de um universo que deve ser apresentado aos alunos. Abrir as portas da biblioteca para outras atividades, mostrando um território fértil depossibilidades, enriquece o próprio espaço e fortalece vínculos com a comunidade escolar. 
Pela própria natureza de sua atividade, a biblioteca tem a chance de conhecer todos osprojetos que estão em curso nas salas de aula e atuar fortemente como agente cultural, criando situações de potencialização dos conteúdos.
O rol de atividades que a biblioteca pode fazer é grande e os responsáveis pelas atividades devem buscar seus melhores caminhos. Convidar escritores e ilustradores para o lançamento de livros ou bate-papo com os alunos, promover sessões de cinema, exposições de arte, audição de música, buscar espetáculos de teatro, exposições em museus e outros locais são alguns exemplos. Esses eventos podem estar diretamente relacionados com projetos em sala de aula ou não-aula.
Muitas vezes, acontece de a cidade estar promovendo algum tipo de atividade cultural completamente relacionada com algum projeto. Assim, não se deve perder a oportunidade de fazer uma nova leitura ou complementar informações dos conteúdos estudados auxiliados pela atividade cultural. Em São Paulo, por exemplo, temos museus temáticos que são constantemente visitados por estarem em sintonia com muitos projetos, como o Museu da Imigração, o Museu Paulista, o Museu de Anatomia e o Museu do Folclore, entre outros. Às vezes "o planeta confabula a favor" e acontecem felizes coincidências, como o caso de nossas as séries acabarem de ler o conto A Ilha Desconhecida, de Saramago, e um grupo teatral montar um  espetáculo justamente calcado nesse conto! É preciso ficar de olho no que está acontecendo para não perder oportunidades desse tipo.
Não se pode esquecer do papel fundamental da parceria. Educadores e bibliotecários, ou responsáveis por sala de leitura, podem pensar juntos atividades que venham enriquecer o cotidiano da sala de aula. Evidentemente que eventos que não estejam relacionados com conteúdos são muito bem-vindos, afinal o que se pretende é a inserção dos alunos a um leque  variado de opções que os auxilie a ler melhor o mundo que os cerca.


A avaliação, entendida como um processo amplo de tomada de decisões no âmbito dos sistemas de ensino, é algo recente no Brasil. Temos pouco mais de uma década de avaliações sistemáticas. Hoje, quase todos os estados e muitos municípios contam com seu próprio sistema de avaliação. Em todos, mais do que conteúdos, são analisados competências e habilidades, o próprio currículo, os hábitos de estudo dos alunos, as estratégias de ensino dos professores, o tipo de gestão dos diretores e os recursos a eles oferecidos para melhor realizar o seu trabalho.
A avaliação é condição necessária para que se possam estabelecer e acompanhar metas qualitativas e quantitativas e verificar se estas últimas são atingidas.
Há, portanto, necessidade de contar com mecanismos que permitam produzir informações sobre o que se ensina e o que se aprende nas escolas e sobre a forma de dar mais transparência aos sistemas educacionais perante a sociedade.
Fala-se muito em mudanças e inovações do sistema educacional estimuladas pela avaliação. Qualquer mudança, no entanto, tem de ser assumida e implementada dentro das escolas. Mudar a educação é mudar a escola. Se tivermos a intenção de usar a avaliação para melhorar a educação, esta terá que ser trabalhada dentro das escolas, sendo seus resultados utilizados efetivamente pelos professores e alunos no cotidiano da relação ensino x aprendizagem.

Avaliação externa e interna

A avaliação de um sistema de ensino deve se basear, também, na avaliação das escolas por elas próprias. Nesse caso, além das avaliações nacionais, estaduais e municipais, cada escola deve se autoavaliar quanto a seus programas, projetos, materiais pedagógicos, recursos, professores, alunos, a sua gestão, infraestrutura e a seu pessoal de apoio.
A importância de a escola se autoavaliar está no fato de que, sendo o local onde as coisas acontecem, é, também, onde se dá o diálogo entre equipe, pais, alunos e autoridades gestoras do sistema. Toda a comunidade escolar deve ser preparada para poder combinar os produtos das avaliações externa e interna. Só uma boa e séria avaliação interna permitirá às escolas a construção de um diálogo efetivo com a avaliação externa. Quando isso não ocorre, a avaliação externa pode gerar atitudes defensivas, não atingindo seus objetivos.
A avaliação intraescolar é um processo que exige uma tomada de consciência da importância da avaliação para que se estruturem processos de mudanças. Envolve, ainda, descentralização e treinamento de equipes escolares.
Cabe aos gestores de políticas públicas em educação, agora que a avaliação já está sendo institucionalizada, tomar iniciativas para que grupos de escolas se reúnam, discutam seus problemas, formulem estratégias de avaliação, utilizem a linguagem da avaliação, descubram suas potencialidades e adequem suas ações às necessidades específicas de suas clientelas.
Ninguém, na realidade, aprende a avaliar discutindo conceitos de avaliação. É preciso experimentar, tentar, criar estratégias, envolver a equipe, tendo como horizonte melhorar a qualidade da educação e diminuir índices negativos, sejam de desempenho, evasão ou repetência. Normalmente, deve-se selecionar alguma questão e envidar esforços para praticar a avaliação interna sobre ela. Não é difícil organizar uma base de dados por escola, base esta que deverá conter índices de matrícula, evasão, desempenho, repetência, projetos implementados, currículo praticado e tudo o que for julgado pela equipe como insumo necessário à avaliação da escola.
Envolver professores, pais e alunos na tarefa de avaliação intraescolar não é fácil, mas não é impossível. À medida que as escolas começarem a efetuar suas próprias avaliações internas, haverá maior facilidade em obter subsídios a partir das avaliações externas, de tal forma que o processo avaliativo cumpra sua função: mudar o que precisa ser mudado, aperfeiçoar o que precisa ser aperfeiçoado, construir o que precisa ser construído.
A avaliação, portanto, deve servir de base para o diálogo e não para dar origem a descrições assertivas e unilaterais. Escolas habilitadas à avaliação interna entenderão que avaliar é um processo contínuo, coletivo e não uma atividade isolada. Dessa forma, se envolvidas em sua própria avaliação, as escolas terão condições de se confrontar com diferentes perspectivas e conclusões.
Alunos, professores e gestores de escolas devem se tornar participantes ativos dos diálogos de avaliação em vez de serem recipientes passivos das descrições e dos julgamentos feitos. O papel de uma avaliação externa é o de fazer com que as escolas tenham um olhar de estranhamento sobre elas próprias. Esse tipo de avaliação oferece, ainda, possibilidades de observar o desempenho dos alunos, mas também tem limites, o que torna indispensável a avaliação em sala de aula, pelo professor.

Limites e possibilidades das avaliações externas

Atualmente, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro vem desenvolvendo avaliações externas, bimestralmente, em duas disciplinas, Língua Portuguesa e Matemática. Todos os alunos do Ciclo Intermediário ao 9º ano realizam testes com a finalidade de aferir as habilidades por eles dominadas nessas disciplinas. Cada professor recebe o resultado de sua própria turma, o que permite que cada escola e cada turma olhem para si próprias e percebam o nível de domínio já alcançado nas habilidades propostas ou o que fazer para levar seus alunos a alcançá-lo.
Os testes organizados pelos especialistas da Secretaria Municipal de Educação adotam o modelo de múltipla escolha, por este fornecer uma série de possibilidades, entre as quais destacamos a  redução da subjetividade na correção, a possibilidade de avaliar uma grande quantidade de habilidades, a discriminação precisa do nível de domínio de cada habilidade testada e a possibilidade de cada professor verificar, através do percentual de acertos de seus alunos, como sua turma se encontra em relação ao conjunto de alunos do município. No entanto, esse formato tem limites, tais como a dificuldade na elaboração de itens de acordo com as habilidades requeridas, dentro do nível de complexidade exigido. Há, também, o problema de não avaliar a escrita dos alunos, só a leitura e a interpretação de textos, além de não permitir verificar o desenvolvimento do raciocínio matemático, isto é, o aluno examina e escolhe alternativas propostas, mas não expressa suas próprias ideias.
Mesmo oferecendo limitações, os testes de múltipla escolha são a melhor forma de se acompanhar o desenvolvimento das habilidades dos alunos de todo um sistema educacional. Seus limites podem e devem ser revistos pelos professores. Se cada professor, depois dos testes de múltipla escolha, refizer todas as questões com seus alunos sob a forma de perguntas abertas, certamente, esses limites impostos pela necessidade de se usar um determinado tipo de questão desaparecerão.

O papel da avaliação do professor

Nos parágrafos anteriores, fica clara a necessidade de diálogo entre os diferentes tipos de avaliação, porém, é relevante discutir a grande importância das avaliações realizadas pelos professores em sala de aula.
A avaliação do professor deve ser  formativa, indo além das demonstrações do “saber” de seus alunos, enfocando hábitos, atitudes e  valores a serem construídos e solidificados. Certamente, deve ser diagnóstica, verificando possíveis problemas na formação de conceitos e habilidades, antes que essas dificuldades se transformem em grandes problemas. Um claro exemplo disso é o da formação do conceito parte-todo, que está na raiz da resolução de problemas que envolvem frações e decimais, presente em todas as séries do Ensino Fundamental.
O desenvolvimento dos alunos e seus desempenhos podem ser bastante aprimorados quando as informações de vários tipos de avaliações, não necessariamente testes e provas, são usadas pelos professores para discussão com seus alunos. São também formativas as informações sobre o rendimento do trabalho do aluno em diferentes grupos, projetos e a própria participação de cada aluno em  sala de aula. Nada, portanto, substitui a avaliação professor/aluno.
Além disso, em geral, os próprios professores realizam suas avaliações somativas ou informativas ao fim de cada unidade de trabalho ou bimestre e, a partir do que detectam, normalmente, reveem habilidades não de todo dominadas, modificam estratégias de ensino, retomam conceitos sem se ater  pura e simplesmente a lançar novos conteúdos e habilidades prescritas no currículo. É importante, também, levar os alunos a se engajarem no processo de avaliação, nos diversos momentos da sala de aula, de tal modo que a avaliação participativa desmistifique a avaliação final como modelo único.
Como conclusão, pode-se afirmar que, se todos os tipos de avaliação dialogarem entre si, os maiores beneficiários desse diálogo serão os alunos. Na realidade, a avaliação deve deixar de ser um discurso de descrição e julgamento para se tornar um discurso de diálogo.

*Doutora em Educação PUC/Rio



Referências bibliográficas



LOCATELLI, I. Construção de instrumentos para a avaliação em larga escala e indicadores de rendimento: o modelo do Saeb. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 25, p.3-21, 2002.



(_______) Novas Perspectivas de Avaliação. Ensaio – Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, p. 475-487, outubro/dezembro 2001.



PERRENOUD, P. Novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.



(_______) Prática pedagógica, profissão docente e formação. Portugal: Editora Dom Quixote, 1996.



(_______) Avaliações em educação: novas perspectivas. Porto Editora, 1995.


Marisa Lajolo

(...)
Entre as atividades hoje mais freqüentemente sugeridas para despertar e desenvolver o gosto (quase sempre chamado de hábito) pela leitura, encontram-se a transformação do texto narrativo em roteiro teatral e subseqüente encenação; a reprodução, em cartazes ou desenhos, do tema, da história ou de personagens do livro; a criação, a partir de sucata, de objetos ou colagens de alguma forma relacionados à história; as pesquisas que aprofundam algum tópico que o texto aborda; o prosseguimento da história, sua reescritura com alteração do ponto de vista; entrevista (real ou simulada) com autor ou personagens do livro; jogral ou coro falado quando se trata de poemas; e tantas outras, familiares a quem tem intimidade com a literatura infantil.
A freqüência com que essas atividades são sugeridas em fichas de leitura, encartes, suplementos e similares só se compara à sofreguidão com que, quando ausentes, são solicitadas pelos caros mestres, às voltas com a árdua tarefa não só de fazer com que seus alunos leiam, mas, principalmente, de fazer alguma coisa com o que seus alunos efetivamente leram! A inclusão de sugestões de atividades em livros destinados ao público infantil já foi interiorizada como necessidade pelos professores, que as solicitam quando não as encontram no livro que escolhem para seus alunos:
Até hoje a editora não preparou nenhuma “ficha de leitura” ou “ficha de interpretação” do Gênio do Crime, como é uso em outros livros dados em classe, a pedido meu. Acho que tais fichas delimitam a apreciação do livro e a uniformizam.
Nas visitas que tenho feito em classe, desde 1969, encontrei ótimos professores que, segundo seu critério e segundo o adiantamento da classe, adotam este ou aquele tipo de trabalho, muitos excelentes e originais.
Não é minha intenção impor um método de trabalho sobre O Gênio do Crime. Os professores que já experimentaram seus métodos particulares devem continuar a fazê-lo. O método ideal de exercício surge sempre da conjunção do modo de ser do professor com o modo de ser da classe, coisa personalíssima e que uma ficha de leitura não pode prever.
Acontece que a editora, há vários anos, continua recebendo solicitações para que O Gênio do Crime venha acompanhado de uma ficha de leitura. Atendendo a estes pedidos  elaborei as seguintes alternativas de métodos de trabalho. O depoimento de João Carlos Marinho registra o momento em que os professores delegam a terceiros o planejamento das atividades de leitura que desenvolverão com seus alunos. Se na origem dessa distorção está o despreparo do magistério, seu achatamento salarial, a precariedade das condições de seu exercício profissional, reconhecer tudo isso não diminui a gravidade do fato de que a leitura patrocinada pela escola de hoje parece sofrer de uniformização.
Essa uniformização, no entanto, pode passar despercebida, pois muitas vezes vem embrulhada em propostas que, em nome de uma leitura lúdica e criativa, gerenciam o envolvimento com o texto, imergindo a leitura em atividades que apenas simulam criação e fantasia:
Ao lermos a história do Capitão Argo e sua nave prateada no planeta das árvores chamejantes que o Fausto Cunha inventou e que naturalmente vai interessar – e muito – aos pré-adolescentes, podemos convidar o pessoal para embarcar numa nave imaginária e viver suas próprias peripécias. Para isso, precisamos preparar o espaço da viagem. O espaço propriamente dito, os possíveis itinerários, o local da decolagem e aterrisagem, a duração da viagem e assim por diante.
Tiramos as cadeiras da sala de aula (se possível) ou as afastamos para um canto. Limpo o chão, embarcamos em nossas naves individuais ou em pequenos grupos e nela soltamos a nossa fantasia num vôo realmente sem limites. A nave espacial flutua (e o nosso corpo flutua junto) e nos leva a espaços desconhecidos e a mil aventuras. (Guia de Leitura 4. 4ª Ciranda de Livros. Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. P. 26.)
Sem atenção para níveis metafóricos do texto e da leitura, essa proposta referencializa e banaliza o ato de ler. Condena à pobreza da improvisação teatral sugerida a viagem de cada leitor; embarca-o numa nave, necessariamente pobre ao confinar-se ao espaço (mesmo sem carteiras!) de uma sala de aula; empobrece a viagem ao cristalizá-la num itinerário prévio, ao encolhê-la a uma duração definida.
Não se trata, evidentemente, de dizer que tais atividades são desaconselháveis, prejudiciais, más em si mesmas. Nada, em si mesmo, é bom ou mau.
O problema é que atividades sugeridas indiferenciadamente para muitos milhares de alunos, distribuídos em pacotes endereçados a anônimos e despreparados professores, passam a representar a varinha mágica que transformará crianças mal alfabetizadas e sem livros disponíveis em bons leitores. Favorecem ainda a crença de que sua realização operará o milagre de transformar os professores em orientadores de leitura, fazendo vista grossa à sua pouca familiaridade com livros, não questionando sua leitura quantitativa e qualitativamente muito pobre, deixando intocada sua estranheza face a práticas mais significativas da linguagem. Na rotina de tais atividades camuflam-se riscos sérios de alienação da leitura.
Aí, sim, tais atividades são más, desaconselháveis, prejudiciais.


Atenção: este texto foi extraído do livro Do Mundo da Leitura, para a Leitura do Mundo, de Marisa Lajolo, Editora Ática, SP, que faz parte do acervo doado às cidades no Projeto de Luz. Quem tiver interesse em ler os outros textos ligados a essa 

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