terça-feira, 21 de abril de 2015

Projeto com Texto Poético



Antes de iniciar a leitura de poemas, apresentei o projeto aos alunos, explicando-lhes que poesia não é só sentimento, coisa melosa e piegas, como muitos pensavam. Ressaltei que o trabalho não se limitaria ao estudo da estrutura dos poemas, mas que envolveria outros elementos da linguagem poética.
1.º passo: escuta do conto “O nome da fruta”. Atividades orais com trava-línguas e rimas.
Coloquei para rodar o CD Histórias Gudórias de Gurrunfórias de Maracutórias Xiringabutórias,de Francisco Marques, o Chico dos Bonecos, especificamente o conto “O nome da fruta”. Acompanhando as sugestões do autor, fizemos brincadeiras com o nome das crianças, cantando o refrão que rimava com o nome de cada aluno.
Exs:   Tiago Gudago de Gurrunfago de Maracutago Xiringabutago.
Letícia Gudícia de Gurrunfícia de Maracutícia Xiringabutícia.
Ainda no espírito de brincadeiras, as crianças transcreveram alguns trava-línguas e algumas adivinhas. Eles ilustraram as transcrições e fizeram um mural que ficou exposto em sala.

2.º passo: estudo das características do poema

Para rima, trabalhamos o poema abaixo, de Elias José, do qual foi eliminada a palavra final de cada estrofe para que as crianças completassem com alguma palavra, rimando e dando coerência à estrofe:

Não me olhe de lado
que eu não sou...

Não me olhe de banda
que eu não sou...

Não me olhe de frente
que eu não sou...

Não me olhe detrás
que eu não sou...

Não me olhe no meio
que eu não sou...

Não me olhe na janela
que eu não sou...

Não me olhe da porta
que eu não sou...
Não me olhe do portão
que eu não sou...

Não me olhe no olho
que eu não sou...

Não me olhe na mão
que eu não sou...

Não me olhe no joelho
que eu não sou...

Não me olhe no pé
que eu não sou...

Não me olhe de baixo
que eu não sou...

Não me olhe de cima
que eu não sou...


Depois, entreguei uma aos alunos uma coleção de poemas:





PÁSSARO EM VERTICAL
Libério Neves
Cantava o pássaro e voava
cantava para lá
voava para cá
voava o pássaro e cantava
de
     repente
                  um
                        tiro
                               seco
penas fofas
leves plumas
mole espuma

e um risco
surdo

n
o
r
t
e
-
s
u
l
PALAVRA
                         Elias José
A palavra PALAVRA
é cheia de mistérios,
azedume e doçura,
liberdade e prisão
verdade e mentira,
alegria e tristeza,
vôo livre e perigo.

A palavra PALAVRA
vive nas penas dos poetas,
nas conversas dos namorados,
nas mesquinhas disputas,
nas lutas pela verdade,
nas mentiras infames,
nas combinações com o diabo,
nos monólogos com Deus.
___________________________
ABRAÇO  
                          Elias José
ABRAÇO é uma palavra
doce, quente e gostosa.
Quando dado no capricho,
o abraço fica muito tempo
no corpo da gente.
AGORA  
                          Elias José
Agora é uma palavra tão agitada
e ligeira que, quando termina
o último A,
já virou passado.


ALEGRIA
                                    Elias José
Alegria é uma palavra extravagante,
feliz, barulhenta e contagiante.
Por mais que se esforce,
o riso da alegria não cabe
numa só palavra.
___________________________________

ABACAXI
                                 Elias José
Cuidado que a palavra
ABACAXI
tem espinhos e fere a sua mão.
E se ela ainda estiver verde,
deixará triste lembrança em sua boca.
LOURENÇO
                          Elias José
É louro
 quase ouro 
o marinheiro Lourenço.

No lenço de Lourenço
há água, choro e sal
igual ao mar de Mariana
com Maria, Marina e Ana.
ANJO
                              Elias José
ANJO é um ser humano
de asas e bondade,
que resolveu virar santo
só pra cuidar da gente.
___________________________
ABANDONO
                                 Elias José
ABANDONO é uma palavra encolhida
como bichinho órfão.
Palavra abandonada,
vive sempre muito sozinha.

___________________________________
Valsinha
                                José Paulo Paes

Semelhanças ou lembranças
                                        Sylvia Orthof
Maçã parece com Eva,
banana com chimpanzé,
jabuticaba é o focinho
geladinho do cachorro.
A jaca é hipopótamo,
parece tanto, não é?



É tão fácil
dançar
uma valsa,
rapaz...

Pezinho
pra frente
Pezinho,
pra trás.
Pra dançar
uma valsa
é preciso
só dois.

O Sol
com a Lua.
Feijão
com arroz.
BOM DIA, POESIA
                                                           Celina Ferreira
Acordo leve e contente
entre cores e alegria.
Penso no mar, nas montanhas,
nos rios, na maresia,
nos peixinhos, nos corais,
no sol que me traz o dia.
Em tudo sinto a grandeza,
em tudo vivo a poesia.

Abro os olhos, que beleza
que Deus agora me envia.
Sou dona dos horizontes,
dos verdes e montes,
da terna e doce harmonia,
dos frutos que vêm da terra,
dos tesouros que ela encerra,
das riquezas que ela cria.

Sinto a paz dentro de mim
e nada perturbaria
a minha grande esperança
que um dia cada criança
viva também a poesia
que recolho no universo
e concentro em cada verso
que distribuo: Bom dia.
A BATUCADA DO TATU
                                                   Leo Cunha
Tá bom, tatu,
tá tudo bem, tatu
tua tatua
tá bonita
de batom.

Tá tudo bom, tatu,
toma o tambor, tatu
mata a tatua
de amor:
também é bom.
Nome é nome
                                        José Paulo Paes
Você por acaso conheceu
um contador chamado Romeu?
Toda vez que errava
as contas, gritava:
“Erro meu! Erro meu! Erro meu!

Inesperadamente, a minha tia Inês
soltou na rua o meu cãozinho pequinês.
Mas foi-lhe perdoado
esse pecado.
O padre só disse: “Nunca mais peque, Inês!”

Em que estação do ano
nasceu Vera, a minha prima?
Não tem engano.
Nasceu na primavera
a minha prima Vera.
________________________________________

O uruguaio
Carinha difícil
aquele uruguaio,
ou melhor, Diego,
como era chamado:
sempre pelos cantos,
sozinho, calado.
Pensando em quê?
Na morte da bezerra,
talvez. É, talvez...

CAPARELLI, Sérgio. Restos de arco-íris
COISAS ESQUISITAS
                                                Elias José
“Eu vi a barata na careca do vovô.
Assim que ela me viu,
“Bateu asas e voou”.

Eu vi uma abelha
no nariz da vovó.
A abelha olhou, olhou,
não picou, pois teve dó.

Eu vi a cobra
perto do pé da tia.
A cobra via, mas a tia
não via a cobra, e sorria.

Eu vi um jacaré
deitado na rede.
O bocão não me mordeu
porque era um quadro na parede.


Poeminhas Cinéticos
                                                                                    Millôr Fernandes
Era um homem bem vestido
Foi beber no botequim
Bebeu muito, bebeu tanto
Que
       saiu
              de
                     lá
                              assim.
As casas passavam em volta
Numa procissão sem fim
As coisas todas rodando
assim2
O moço entra apressado
Para ver a namorada
E é da seguinte forma
                           escada.
                       a
              sobe
        ele
Que

Mas lá em cima está o pai
Da pequena que ele adora
E por isso pela escada
assim
             ele
                    vem2
                              embora.

O JOVEM

Às vezes eu me pergunto
que diabo de papel
estou fazendo aqui.

Não pedi para nascer,
não escolhi o meu nome,
e tenho um corpo montado
com pedaços de avós, fatias de pai
e amostras de mãe.

Nas reuniões de família
o esporte predileto
é dissecar o Frankenstein:

“Os olhos são dos Arruda...”
“Os pés lembram os Botelho...”
“Tem as mãos do velho Braga!”
“... e o nariz é dos Fonseca!”

Certamente o resultado
de um tal esquartejamento
não pode ser coisa boa,
pois tantos retalhos colados
não inteiram uma pessoa.


FRANK

Sendo assim... eu não sou eu.
Sou outra coisa qualquer:
um personagem perfeito
para um filme de terror,
um andróide, um mutante,
um bicho extraterrestre,
um berro de puro pavor!
Graças a Deus meu espelho
não é daqueles que falam...
Diante dele, com cuidado, posso até reconhecer
este rosto que é só meu
e sorrir aliviado:

Cheio de cravos e espinhas,
pode não ser um modelo
de perfeição ou beleza,
mas com certeza é alguém
e esse alguém... sou eu, sou eu!

(TELLES, Carlos Queiroz. Semente de sol. São Paulo: Moderna, 1992, p. 38.)
Jogo de Bola

A bela bola
rola:
a bela bola do Raul.
Bola amarela,
a da Arabela.

A do Raul,
azul.

Rola a amarela
e pula a azul.

A bola é mole,
é mole e rola.

A bola é bela,
é bela e pula.
É bela, rola e pula,
é mole, amarela, azul.

A de Raul é de Arabela,
e a de Arabela é de Raul.

MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo.


A bola


E vai a bola rolando
com seu destino traçado
de espremer a voz do povo
gritando na arquibancada,
como se fossem os gritos
apelos muito profundos
de toda a Humanidade.
Mas é bonito de ver
(pode prestar atenção)
que o som que vem dessa massa
não tem diferença não,
não sabemos qual é o grito
do empregado ou do patrão.
Chuta, chuta, a bola cai
nas malhas do seu destino:
gool!... a turma da charanga
rebate o bombo e repica
seus tamborins de alegria,
enquanto as bandeiras vibram
no ar os seus rodopios.




Bandeiras bambas, contudo,
arriadas com tristeza
vão descendo a escadaria.
Perdem o jogo e a festa
fica para um novo dia.
Levam no peito uma sombra
da noite que se anuncia.
No gramado, o capitão
erguendo os braços levanta
sobre a cabeça o troféu,
suspenso na revoada
dos pombos cortando o céu.

A bola? ninguém mais viu,
todo mundo a esqueceu.

NEVES, Libério.Balão de couro
Chuta. A bola vai rolando,
ou como a lua redonda
a bola em branco arco-íris
vai descrevendo a parábola.
Caindo e logo subindo
ela gira e vai caindo,
para rolando parar.
Mas o destino da bola
é correr, é revoar,
com suas pernas de mola
ou suas asas de ar.

Pois a bola, de repente,
leva um chute violento
e sobe como um balão.
Então erguemos os olhos
e olhamos num ponto móvel:
a bola em seu movimento
de rotação-translação.

E vem caindo, caindo,
mas leva uma cabeçada
como se fosse chifrada
no ventre, como se o boi
gemesse na vida ainda
berrando na solidão
do seu couro castigado.

Na bola de futebol
anda o próprio boi curtido,
já bem morto e costurado,
tendo ainda que lutar
(batido, sem dó, sem pena)
contra vinte e dois toureiros
espalhados pela arena,
não de areia e sim quadrada
no seu capim repisado.

A bola não tem nem tempo
de pastar esse capim.
Ela fica é só assim:
pinga daqui, pula de lá.
E a pobre da bola rola,
roda com fome e cansada,
com seu vazio no ventre
cheio de vento e mais nada.

Profundamente

¾ Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente
*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

¾ Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Manuel Bandeira, do livro
Libertinagem
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?



Fizemos, então, uma roda de leitura e estudamos forma e conteúdo de cada poema. Aproveitei para mostrar-lhes as assonâncias, aliterações, metáforas, recursos visuais etc.

3.º passo: Montagem de caderno de poesia

Pedi, então, que os alunos recortassem os poemas da antologia acima, colassem em um caderninho e ilustrassem de acordo com o sentido que tiraram de cada poema.

4.º passo: Escrita de poema seguindo um modelo

Entreguei uma cópia de um poema (sugestão do “Escrevendo o Futuro” – Olimpíadas da Língua Portuguesa) e depois o li para a turma. Com os alunos em grupos, pedi que cada equipe criasse um verso, com três coisinhas à-toa que os deixassem felizes. No início foi uma dificuldade... Nesse momento, que não deveria haver palavras ligando as ideias, os alunos insistiam em ligá-las, escrevendo:

Jogar bola na escola tomando coca-cola.

Um outro problema era quanto ao uso excessivo de verbos:

Brincar com o irmão, fazer bolinha de sabão, namorar no portão.

Insisti para que eles encontrassem um substantivo correspondente, deixando poucos verbos. Muitas vezes, tive que dar alguma ideia, sugerir palavras que rimassem com as deles, etc.

A cada verso formado, eu transcrevia na lousa. No final, contei quantas coisinhas à-toa tínhamos e escrevi o título. Digitei-o em letras grandes e pedi que os alunos fizessem as ilustrações e montassem um novo mural, que ficou, também, exposto em sala.

O resultado são esses poemas. Observem que algumas palavras aparecem nos poemas de várias salas. Algumas são coincidências, outras são as minhas sugestões, que acabavam se repetindo (fazer o quê?!!!).


Duas dúzias de coisinhas à-toa que deixam os alunos da 5.ª A felizes

Bala de hortelã, torta de maçã, história do Peter Pan.
Jogo de bola, gincana na escola, pizza e coca-cola.
Banho de chuva, suco de uva, sorriso de viúva.
Filme na tela, pipoca na panela, pão com mortadela.
Sorvete com mamão, beijinhos no portão, cambalhotas pelo chão.
Cheiro de flor, noite de calor, filme de terror.     
Acordar e não tirar o pijama, rolar na grama, pular na cama.
Jantar a luz de vela, cenas de amor na novela, flores na janela.





Duas dúzias de coisinhas à-toa que deixam os alunos da 5.ª B felizes

Brincadeira com irmão, bolinhas de sabão, namoro no portão.
Vitória do time do coração, pula-pula no colchão, beijinhos de montão.
Mingau de aveia, bola de meia, castelo de areia.
Churros de chocolate, cachorro que não late, sobremesa de abacate.
Jogo de handebol, usar um cachecol, fim de semana com sol.
Cheiro de flor, filme de terror, sorriso de professor.
Ver tevê, pensar em você, esperar amanhecer.
Pão de mel, passarinho livre no céu, poesia no papel.

Quatro dúzias de coisinhas à-toa que fazem os alunos da 5.ª C felizes

Jogo de futebol, desfile de carnaval, presente de Natal.
Suco gelado, encontro com namorado, comer um bem-casado.
Deitar na rede, matar a sede, retrato na parede.
Banho de chuva, bala de uva, fuçar no porta-luvas.
Viagem de caminhão, ver televisão, sorvete de limão.
Mascar chiclete, usar topete, cambalhotas no carpete.
Fazer um castelo, comer um caramelo, passear de chinelos.
Vôo de garça, passeio na praça, fazer muita graça.
Banho de sol, jogar basquetebol, colher um girassol.
Brincadeiras na escola, Leite com granola, caju e carambola.
Desenho animado, um “muito obrigado”, alguém apaixonado.
Pessoa engraçada, queijo com goiabada, história bem contada.
Ficar de bobeira, leite na mamadeira, sonhar a noite inteira.
Subir no foguete, colocar um colete, deitar no tapete.
Queijo no macarrão, voar de avião, desenhar um coração.
Ganhar presente, deixar para a fada o dente, seguir em frente.

Três dúzias de coisinhas à-toa que deixam os alunos da 5.ª D felizes

Dormir o dia inteiro, cantar no chuveiro, pegar ovo no galinheiro.
Brincar de caça, jogar bola na praça, dizer NÃO à cachaça.
Deitar sob o luar, descansar no sofá, dormir e sonhar.
Arroz com feijão, andar de pé no chão, geléia no pão.
Brincadeira na garoa, rir à toa, uma torta muito boa.
Casa em viela, desfile na passarela, batuque de panela.
Açaí na tigela, desenhar uma caravela, jantar à luz de vela.
Pular corda, cantigas de roda, andar na moda.
Fazer fofoca, procurar minhoca, morar na Mooca.
Montar uma maquete, teatro de marionete, bate-papo na Internet.
Jogo de basquete, domingo com espaguete, pintar o sete.
Viagem de avião, queijo no macarrão, dormir no chão.


5.º passo: Conhecendo alguns poetas consagrados

Com os alunos em grupo, entreguei-lhes nomes de poetas famosos e pedi que eles transcrevessem seus nomes para fazer um novo mural – “Eles brincam com as palavras”. A intenção era de que os alunos pudessem procurar por poemas desses escritores nas bibliotecas ou na Internet.

Pedi, então, que eles trouxessem os poemas selecionados e lessem para a sala.

6.º passo: Escuta de músicas com poemas musicados – O poeta aprendiz – Monte Castelo.


7.º passo: Sarau de poesia

Reunindo alguns poemas, fiz um pequeno roteiro de uma história em que uns “saltimbancos” chegam a uma “cidadezinha qualquer” cantando, entregando flores às mulheres. Encontram um menino que tinha alma de poeta. O menino passa, então, a observar as pessoas e tudo vira poesia. Até que os saltimbancos vão embora, dizendo que conseguiram atingir seu objetivo, que era levar a poesia para aquele lugar. O menino diz que, certamente os encontraria novamente.

Foi um trabalho muito gostoso. Os alunos apresentaram o sarau no último dia de aula, infelizmente, apenas para a comunidade escolar, pois não temos um espaço para apresentações de um público maior. Porém o objetivo principal foi alcançado: até hoje, eles amam poesia.

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