quinta-feira, 18 de junho de 2015

O QUE É SER PROFESSOR ?


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Ser professor... uma geografia da disposição, da relação.
Para mim, ser professor é uma escolha.
Pensar nessa figura, nesse habitante da escola, é pensar em alguém que escolheu dedicar seus passos aos outros. Um habitante que se confunde com a própria escola, que se torna um espaço de atravessamento dos outros, dos saberes, das culturas. Esse habitante é o parceiro, o companheiro, aquele que desafia, que frustra, que apresenta caminhos. 

Aprendi a ser professor sendo professor. Tornei-me professor quando percebi que ser professor não é professar linhas, métodos ou didáticas. Ser professor é abrir-se ao outro, às relações. Ser professor é ter uma disposição, uma disponibilidade para ser atravessado pelo mundo. É deixar de ser e ser um outro a todo instante. 

Aprendi a ser professor com olhares, com gestos, com as palavras de meus estudantes. Sempre soube que ser professor era colocar-se entre um ensino e uma aprendizagem... um lugar onde a educação é relação... daqueles que se dispõem a atravessá-la. Um espaço de “ensinagem”, da união entre ensino e aprendizagem. Nesse espaço, o professor é estudante, o estudante é professor, a escola é a afirmação de um espaço relacional. 

Gosto de pensar e conviver com um professor que provoca encantamentos, mas que também se deixa encantar por seus estudantes. Encantamentos pelos temas de trabalho, por seu estudo, pelas crianças, por suas escolhas. Alguém que se dispõe aos encantamentos. Um encantamento que movimenta, provoca, desloca, faz com que queiramos sempre mais. 

Para ser esse habitante da escola, é preciso provocar e ser provocado. É essa dinâmica, esse jogo, essa relação, que transforma o professor em estudante! Professor-estudante que se joga nas brincadeiras, nas relações, que dá limites, fronteiras, espaços, que cuida de seu grupo, que cuida de cada um que convive com ele. Alguém que se joga na cultura, enriquece linguagens, compromete-se com as suas escolhas. 

Professor-estudante precisa de estudo. Tem de se jogar nas letras e livros, nas imagens e sons, nas ideias e pensamentos, nas conversas e discussões. Ler, escrever, discutir, escutar música, ver filmes, saber e sentir as coisas que passam pelo mundo afora... São condições para a ampliação das linguagens que se constroem dentro do espaço escolar.

Pensar no que representa ser professor é pensar na minha vida, com toda a intensidade, todo o afeto e todo o carinho que sinto por ser esse habitante da educação. Quero contar uma história vivida... atemporal, sentimental e que expressa a costura entre ser professor e estudante... das coisas simples e marcantes que essa relação pode nos provocar, transformando toda uma vida. Ainda bem que eu vivi e vivo ser um professor! 

O MARUJO E O PROFESSOR 
Você sabe o que é fazer seis anos? Provavelmente, já sabe, pois já fez um dia na vida! Você também já sabe o que é aprender a ler e a escrever? E entender que nem sempre você ganha, nem sempre te escutam e nem sempre você consegue se segurar? 

Bem, tudo isso é comum para alguém que já passou pela escola! 

Agora, imagine você vivendo tudo isso e ainda descobrir que, dentro da sua sala de aula, há um cofre?????!!!!!! 

Pois é, dentro da minha sala de aula havia um cofre! Eu tinha quase seis anos, quase escrevia e quase não bagunçava... e, na minha classe, havia um cofre! 

No primeiro dia de aula, eis que entra o professor. Parecia um menino, como nós! Para quebrar o gelo, um suspense: 

— Gente, vocês não imaginam o que eu encontrei dentro do nosso armário! – disse aquele professor com os olhos e gestos de criança de quase seis anos. 

— Há muitos anos, vivia nessa casa um marujo do mar. Ele era horripilante: tinha cabelo de duas cores parecendo palha, tinha um olho no meio da testa, os dedos tortos, o nariz beeeeem comprido e as bochechas caídas. Os dentes, ahhhhhhh!, nem se fale, todos cheios de couve e outros legumes verdes entalados há anos, desde seu último jantar decente! 

Ele era um marujo muito sabido. Viajava mundos que não conhecemos ainda. Mundos subterrâneos e submersos, ilhas escondidas atrás de outras ilhas desertas. 

Certo dia, encontrou um tesouro, daqueles que passamos a vida toda buscando! Olha que ele nem precisou da vida toda, bastaram 100 anos! Depois de ter encontrado seu tesouro, não precisava mais viajar, tinha apenas de encontrar um lugar para guardá-lo e, quando precisasse, era só pegá-lo. 

Adivinhem em que lugar ele o guardou? 

Todos nós ficamos mudos, sem respirar e atentos com as orelhas em pé! 
— Guardou dentro da escola!!!!!!!!!! Que antes não era escola, lógico! Era a casa de sua tatararararara-avó! O melhor lugar que encontrou foi o armário! Nunca ninguém conseguiu abrir o cofre e eu sei que na escola se esconde uma chave que abre o cofre!

Logo que escutei isso, olhei para os meus amigos e chispamos para o pátio. Durante meses, fizemos uma verdadeira busca em todos os cantos da escola: 
cavamos a areia toda, 
mexemos em todos os armários, 
vimos em cada canto de parede, 
em cada vão das árvores, 
em todas os vasos de plantas 
e assim seguimos fazendo até.......até eu conseguir escrever, fazer seis anos, perder muitas coisas, ganhar outras e entender que posso conversar ao invés de... 

Aquilo de abrir o cofre já não era tão importante! Eu preferia ficar jogando bola e, pelo visto, meus amigos queriam ficar brincando de outras coisas também, como trocar figurinhas. As meninas se uniam para trocar adesivos e fazer maquiagem... e o nosso professor nos observava... 

Talvez pensasse na chave perdida ou apenas pensasse no que aquele primeiro dia significou... 

O ano acabou, até que tentamos abrir o cofre, mas não conseguimos. Fomos embora e sei 
que a história se repetiu (uns meninos de cinco anos me contaram). Ninguém nunca descobriu o que havia dentro daquele cofre misterioso. Acho que os únicos que sabiam eram o marujo do mar e o meu professor. 

Mas posso dizer que, talvez, o que se escondia lá dentro era o fim dessa história, a minha história, que, por anos e anos, não tem fim.
 

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