Recebi alguns e-mails com dúvidas a respeito do desenvolvimento do raciocínio lógico e da construção do número pela criança, e acredito que o livro “A criança e o número”, de Constance Kamii, aluna e colaboradora de Jean Piaget, poderá auxiliá-los nestas questões. Dessa forma deixo disponível um breve resumo que poderá incentivá-los a ler o livro por completo e pesquisar mais a fundo.
O livro é composto por quatro capítulos, onde descreve a relação da criança com o número, e um apêndice que trata sobre a autonomia da criança e como trabalhá-la de forma positiva na educação.
O primeiro capítulo explica que para Piaget há três tipos de conhecimentos:
Conhecimento físico: é o conhecimento exterior dos objetos, onde por meio da observação as relações (diferenças, semelhanças) são criadas mentalmente pelas pessoas.
Conhecimento lógico-matemático: a origem deste conhecimento é interna ao indivíduo e define-se como a coordenação das relações, onde a criança consegue ver que há mais elementos num todo do que nas partes; a abstração das características dos objetos é diferente da abstração do número. Na abstração dos objetos usou-se o termo abstração empírica (focaliza uma característica e ignora a outra, estabelecendo as diferenças entre os objetos para depois relacioná-los), e na abstração do número, utilizou-se o termo abstração reflexiva (construção de relações entre os objetos). O número é uma junção de dois tipos de relações, uma é a ordem e a outra é a inclusão hierárquica.
Conhecimento social: são as reuniões construídas pelos indivíduos, onde sua natureza é resultante só da vontade. Este conhecimento necessita de uma estrutura lógico-matemática para a organização e assimilação. O conceito de conservação baseia-se na epistemologia (estudo dos resultados das ciências), podendo também ser utilizado para responder a questões psicológicas quanto ao seu desenvolvimento.
No início do segundo capítulo a autora comenta sobre Piaget, onde ele declara que “a finalidade da educação deve ser a de desenvolver a autonomia da criança, que é indissociavelmente social, moral e intelectual” (p.33). Autonomia significa agir por leis próprias. Como as escolas ainda educam tradicionalmente, a heteronomia da criança passa a ser mais trabalhada do que a própria autonomia, sendo reforçado o erro, bem como o incentivo às boas ações por meio de prêmios, sanções, notas, dentre outros.
Outra questão abordada é a respeito do meio ambiente, do nível sócio-econômico e cultural da criança que tanto pode auxiliar o processo de desenvolvimento lógico-matemático de forma mais rápida, como retardá-lo. O professor tem a missão de estimular o pensamento espontâneo da criança.
No capítulo seguinte, Kamii escreve sobre os princípios de ensino, apresentando-os em três títulos:
A criação de todos os tipos de relações – a criança que pensa na sua vida cotidiana, consegue raciocinar sobre muitos outros assuntos ao mesmo tempo.
A quantificação de objetos – deve-se apoiar a criança a pensar sobre o número e quantidade de objetos, quantificando-os com conhecimento lógico, comparando conjuntos móveis.
Interação social com os colegas e os professores – apoiar a criança a conversar com seus colegas e imaginar como está desenvolvendo o raciocínio em sua cabeça.
No capítulo final, comenta-se sobre as situações que o professor pode aproveitar para ensinar os números. São apresentadas em dois tópicos: vida diária e jogos em grupo. Para se ensinar quantificação, é necessário ligá-la à vivência da criança, distribuindo os materiais, dividindo os objetos em partes iguais, coleta dos objetos, registro de dados e arrumação da sala de aula e votação.
Jogos em grupo proporcionam raciocínio amplo e comparação de quantidades, trabalhando jogos com alvos (boliche ou bolinhas de gude), jogos de esconder, brincadeiras de pegar, jogos de adivinhação, jogos de tabuleiro, jogos de baralho, jogos de memória. O ponto central e essencial da teoria de Piaget é a abstração reflexiva e a construção de uma estrutura numérica pela criança por meio da abstração reflexiva.
No apêndice, a autora cita um dos livros de Piaget (O julgamento moral da criança – 1932), onde o teórico explica a importância da moralidade na autonomia; está dividido em três partes.
Autonomia moral: as crianças adquirem os valores morais, internalizando-os através do contato com o meio ambiente.
Autonomia intelectual: as crianças adquirem o conhecimento criando e organizando relações.
Autonomia como finalidade de educação: conceituando novos objetivos.
É um livro escrito em linguagem simples, que embora repetitivo em algumas ocasiões, nos dá o embasamento teórico sobre a prática do “ensino” dos números e mostra como deve ser nosso posicionamento frente a esta prática.
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