Como trabalhar Produção de Texto |
Como trabalhar Produção de Texto |
Para produzir textos de qualidade, seus alunos têm de saber o que querem dizer, para quem escrevem e qual é o gênero que melhor exprime essas ideias. A chave é ler muito e revisar continuamente.
O primeiro passo é conhecer os diversos gêneros. Mas é preciso atenção: isso não significa que os recursos discursivos, textuais e linguísticos dos contos de fadas e da reportagem, por exemplo, sejam conteúdos a apresentar aos alunos sem que eles os tenham identificado pela leitura, como ressalta Delia Lerner no livro Ler e Escrever na Escola. Um primeiro risco é o de cair na tentação de transmitir verbalmente as diferentes estruturas textuais. De acordo com a pesquisadora em didática, cabe a todo professor permitir que as crianças adquiram os comportamentos do leitor e do escritor pela participação em situações práticas e não "por meras verbalizações".
Ensinar a produzir textos nessa perspectiva prevê abordar três aspectos principais: a construção das condições didáticas, a revisão e a criação de um percurso de autoria, como se pode ver a seguir.
Os textos redigidos em classe precisam de um destinatário
De acordo com Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, o trabalho com um gênero em sala de aula é o resultado de uma decisão didática que visa proporcionar ao aluno conhecê-lo melhor, apreciá-lo ou compreendê-lo para que ele se torne capaz de produzi-lo na escola ou fora dela. No artigo Os Gêneros Escolares - Das Práticas de Linguagem aos Objetos de Ensino, os pesquisadores suíços citam ainda como objetivo desse trabalho desenvolver capacidades transferíveis para outros gêneros.
Para que a criança possa encontrar soluções para sua produção, ela precisa ter um amplo repertório de leituras. Essa possibilidade foi dada à turma de 9º ano da professora Maria Teresa Tedesco, do Centro de Educação e Humanidades Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira - conhecido como Colégio de Aplicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Procurando desenvolver a leitura crítica de textos jornalísticos e o conhecimento das estruturas argumentativas na produção textual, ela propôs uma atividade permanente: a cada semana, um grupo elegia uma notícia e expunha à turma a forma como ela tinha sido tratada nos jornais. Depois, seguia-se um debate sobre o tema ou a maneira como as reportagens tinham sido veiculadas.
Paralelamente, os estudantes tiveram contato com textos de finalidades comunicativas diversas no jornal, como cartas de leitores, editoriais, artigos opinativos e horóscopo. "O objetivo era que eles analisassem os materiais, refletissem sobre os propósitos de cada um e adquirissem um repertório discursivo e linguístico", conta Maria Teresa, que lançou um desafio: produzir um jornal mural.
A primeira versão foi lida pela professora. "Sempre havia observações a fazer, mas eu deixava que os próprios meninos ajudassem a identificar as fragilidades", diz Maria Teresa. Divididos em pequenos grupos, os alunos revisaram a produção de um colega, escrevendo um bilhete para o autor com sugestões e avaliando se ela estava adequada para publicação. Eram comuns comentários como "argumento fraco", "pouco claro" e "falta conclusão", demonstrando o repertório adquirido com a leitura dos modelos.
"Envolver estudantes de 6º a 9º ano na produção textual é um grande desafio", ressalta Roxane Rojo, da Universidade Estadual de Campinas. "Muitas vezes, eles tiveram de produzir textos sem função comunicativa durante a escolaridade inicial e, por acreditarem que escrever é uma chatice, são mais resistentes." Atenta, Maria Teresa soube driblar esse problema. Percebendo que a turma andava inquieta com a proibição por parte da direção do uso de short entre as meninas, a professora fez disso tema de um editorial do jornal mural - a produção foi uma das melhores propostas do projeto.
"Para que alguém se coloque na posição de escritor, é preciso que sua produção tenha circulação garantida e leitores de verdade", diz Roxane. E todos saberiam a opinião do aluno sobre a questão, inclusive a diretoria. "Só assim ele assume responsabilidade pela comunicação de seu pensamento e se coloca na posição do leitor, antecipando como ele vai interpretá- lo." A argumentação da garotada foi tão bem estruturada que a diretoria resolveu voltar atrás e liberar mais uma vez o uso da roupa entre as garotas.
A criação de condições didáticas nas propostas para as turmas de 1º a 5º ano segue os mesmos preceitos utilizados pela professora Maria Teresa. "Em qualquer série, como na vida, produzir um texto é resolver um problema", ensina Telma Ferraz Leal. "Mas para isso é preciso compreender quais são os elementos principais desse problema."
Revisão vai além da ortografia e foca os propósitos do texto
Com a ajuda do professor, as turmas aprendem a analisar se ideias e recursos utilizados foram eficazes e de que forma o material pode ser melhorado. A sala de 3º ano de Ana Clara Bin, na Escola da Vila, em São Paulo, avançou muito com um trabalho sistemático de revisão. Por um semestre, todos se dedicaram a um projeto sobre a história das famílias, que culminou na publicação de um livro, distribuído também para os pais. Dentro desse contexto, Ana Clara propôs a leitura de contos em que escritores narram histórias da própria infância.
Os estudantes se envolveram na reescrita de um dos contos, narrado em primeira pessoa. Eles tiveram de re-escrevê- lo na perspectiva de um observador - ou seja, em terceira pessoa. A segunda missão foi ainda mais desafiadora: contar uma história da infância dos pais. Para isso, cada um entrevistou familiares, anotou as informações colhidas em forma de tópicos e colocou tudo no papel.
Ana Clara leu os trabalhos e elegeu alguns pontos para discutir. "O mais comum era encontrar só o relato de um fato", diz. "Recorremos, então, aos contos lidos para saber que informações e detalhes tornavam a história interessante e como organizá-los para dar emoção." Cada um releu seu conto, realizou outra entrevista com o parente-personagem e produziu uma segunda versão.
Tiveram início aí diferentes formas de revisão - análise coletiva de uma produção no quadro-negro, revisão individual com base em discussões com o grupo e revisões em duplas - realizadas dias depois para que houvesse distanciamento em relação ao trabalho. A primeira proposta foi a "revisão de ouvido". Para realizá-la, Ana Clara leu em voz alta um dos contos para a turma, que identificou a omissão de palavras e informações. A professora selecionou alguns aspectos a enfocar na revisão: ortografia, gramática e pontuação. "Não é possível abordar de uma só vez todos os problemas que surgem", completa Telma.
A revisão em processo e a final são passos fundamentais para conseguir de fato uma boa escrita. Nesse sentido, a maneira como você escreve e revisa no quadro-negro, por exemplo, pode colaborar para que a criança o tome como modelo e se familiarize com o procedimento. Sobre o assunto, Mirta Castedo escreve em sua tese de doutorado: "Os bons escritores adultos (...) são pessoas que pensam sobre o que vão escrever, colocam em palavras e voltam sobre o já produzido para julgar sua adequação. Mas, acima de tudo, não realizam as três ações (planejar, escrever e revisar) de maneira sucessiva: vão e voltam de umas a outras, desenvolvendo um complexo processo de transformação de seus conhecimentos em um texto".
Ser autor exige pensar no enredo e na estrutura
Os estudos em didática das práticas de linguagem fizeram cair por terra o pensamento de que a redação com tema livre estimula a criatividade. Hoje sabe-se que depois da alfabetização há ainda uma longa lista de aprendizagens. Foi considerando a complexidade desse processo que Edileuza Gomes dos Santos, professora da EM de Santo Amaro, no Recife, desenvolveu um projeto de produção de fábulas com a 3ª série.
Ela deu início ao trabalho investindo na ampliação do repertório dentro desse gênero literário. Só assim foi possível observar regularidades na estrutura discursiva e linguística, como o fato de que os animais são os protagonistas. "Escolhi esse gênero porque ele tem começo, meio e fim bem marcados, algo que eu queria desenvolver na produção da garotada."
A primeira proposta foi o reconto oral de uma fábula conhecida. "Isso envolve organizar ideias e pode ser uma forma de planejar a escrita", endossa Patricia Corsino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quando já dominamos todas as informações de uma narrativa, podemos focar apenas na forma de expor os elementos - mas esse é um grande desafio no início da escolaridade.
Na turma de Edileuza, as propostas seguintes foram a re-escrita individual e a produção de versões de fábulas conhecidas com modificações dos personagens ou do cenário. Aos poucos, todos ganharam condições de inventar situações. A professora percebeu que a turma não entendia bem o sentido da moral da história. Pediu, então, uma pesquisa sobre provérbios e seu uso cotidiano.
Com essa compreensão e um repertório de ditados populares, Edileuza sugeriu a criação de uma fábula individual. Ela discutiu com o grupo que elas geralmente têm como protagonistas inimigos tradicionais (cão e gato ou gato e rato, por exemplo). Estava colocada a primeira restrição para a produção. Em seguida, a classe relembrou alguns provérbios que poderiam ser escolhidos como moral nas histórias criadas.
Desde o início, todos sabiam que as produções seriam lidas por estudantes de outra escola, o que serviu de estímulo para bolar tramas envolventes. "Há uma diferença entre escrever textos com autonomia - obedecendo à estrutura do gênero, sem problemas ortográficos ou de coerência - e se tornar autor", diz Patrícia Corsino. "No primeiro caso, basta aprender as características do gênero e conhecer o enredo, por exemplo. No segundo, é preciso desenvolver ideias." Para chegar lá, a interação com professores e colegas e o acesso a um repertório literário são fundamentais.
Do 6º ao 9º ano, o processo de construção da autoria pode exigir desafios que sejam cada vez mais complexos: a elaboração de tensões na narrativa ou a participação em debates para desenvolver a argumentação, como fez a professora Maria Teresa, do Rio de Janeiro. "A re-escrita, primeiro passo para a construção da autoria, pode vir com propostas de produção de paródias, no caso dos maiores, que exigem mais elaboração por parte das turmas", diz Roxane Rojo. Uma boa forma de fazer circular textos nessa fase são os meios digitais, como blogs e a própria página do colégio na internet. Os jovens podem se responsabilizar por todas as etapas de produção, inclusive pela publicação, o que os estimula a aprimorar a escrita. Levar os estudantes a se expressar cada vez melhor, afinal, deve ser o objetivo de todo professor.
Expectativas de aprendizagem de escrita
- Re-escrever e/ou produzir textos de autoria utilizando procedimentos de escritor: planejar o que vai escrever considerando a intencionalidade, o interlocutor, o portador e as características do gênero; fazer rascunhos; reler o que está escrevendo, tanto para controlar a progressão temática como para melhorar outros aspectos - discursivos ou notacionais - do texto.
- Revisar escritas (próprias e de outros), em parceria com os colegas, assumindo o ponto de vista do leitor com intenção de evitar repetições desnecessárias (por meio de substituição ou uso de recursos da pontuação); evitar ambiguidades, articular partes do texto, garantir a concordância verbal e a nominal.
- Revisar textos (próprios e de outros) do ponto de vista ortográfico.
- Compreender e produzir uma variedade de textos, tendo em conta os padrões que os organizam e seus contextos de produção e recepção.
- Utilizar todos os conhecimentos gramaticais, normativos e ortográficos em função da otimização de suas práticas sociais de linguagem.
- Exercer sobre suas produções e interpretações uma tarefa de monitoramento e controle constantes.
- Interpretar e produzir textos para responder às demandas da vida social enquanto cidadão.
Quer saber mais?
Aprendendo a Escrever, Ana Teberosky, 200 págs., Ed. Ática, tel. (11) 3346-3000, 43,90 reais
Estética da Criação Verbal - Teoria e Crítica Literária, Mikhail Bakhtin, 512 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 73,30 reais
Ler e Escrever na Escola - O Real, o Possível e o Necessário, Delia Lerner, 128 págs., Ed. Artmed,
tel. 0800-703-3444, 36 reais
Ortografia: Ensinar e Aprender, Artur Gomes de Morais, 128 págs., Ed. Ática, 36,90 reais
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