Sentia dores, estava inquieto no leito daquele hospital moderno e luxuoso. A família me fazia companhia, eles estavam tristes, abatidos e lagrimosos. Não dormia tranquilo, meu sono era agitado e tinha pesadelos, nos quais escutava vozes me dizendo impropérios. Acordei e não abri os olhos; escutei meu filho e meu genro conversando baixinho.
- Temos que tomar todas as providências. Seu pai, pelo que nos dizem os médicos, irá falecer logo. Temos que tirar o dinheiro de seu nome, até mesmo, fechar aquelas contas bancárias.
- Você tem razão, vou agora mesmo falar com mamãe, ela tem conta conjunta com ele. Com certeza minha mãe nos dará autorização para fecharmos aquelas contas e colocarmos o dinheiro no meu e no seu nome. É mais seguro!
Magoei-me, porém eles estavam fazendo o que eu sempre fizera: sendo práticos. Os dois tinham razão. Aquele dinheiro não deveria continuar no meu nome. Tremi de medo. Eles falaram que estava morrendo. E pela primeira vez, indaguei-me o que seria morrer.
Havia frequentado, pelo social, para arrecadar votos, muitas igrejas, templos, e ouvido vários sermões, aos quais, infelizmente, não dera muita atenção. Mas algumas coisas do que ouvira, vieram naquele instante a minha mente: “Eu acabaria com a morte?”. Ao pensar nesse fato, apavorei-me. Acho que ninguém quer ser extinto. Creio que nada se acaba, até pela lei da natureza, tudo se transforma, e comecei a pensar: “Céu ou inferno?” Prefiro que não existam, senão irei com certeza para o inferno. “Dormirei até o julgamento?” Também não gostei dessa teoria. Se houver uma sentença, por justiça, não me darei bem. “Desencarnarei, como dizem os espíritas? Se assim for, no Além terei comigo somente os atos que fiz, os bons e os maus.”
Tinha dinheiro que sustentava o meu luxo. A família e os amigos, ali ao meu lado, esperavam minha morte. Somente restavam-me as obras, essas iriam comigo. Abri os olhos, os dois sorriram para mim, e meu filho disse:
- Papai, o senhor ficará bem! Mas estou preocupado. Será que não é prudente tirarmos o dinheiro de suas contas bancárias?
- Sim – respondi com dificuldade. – Faça, filho, o que for melhor. Mas não deixe sua mãe sem nada.
- Claro que não, papai. Mamãe tem muitos imóveis em seu nome e os senhores são casados com separação de bens.
Ele saiu e meu genro ficou ao meu lado. Comecei a delirar. Via vultos, ouvia algumas risadas, e fui piorando.
- Ele morreu! – ouvi do médico.
Choros e risadas. Minha esposa e filha estavam ao meu lado chorando.
- Meu pai morreu! Que tristeza!
- Fiquei viúva! Que será de mim sem ele? Como cuidar dos negócios?
“Morri! Meu Deus! E agora?”
“Ficará aí para ver e ouvir outros hipócritas como você” – falou um vulto, gargalhando.
Que sensação estranha! Senti a equipe médica desligar os aparelhos e tirar as sondas. Meus familiares se afastaram, fui levado para outro local. Limparam-me, colocaram-me outra roupa e me maquiaram. Depois me acomodaram numa urna luxuosa, com muitas flores. Sentia, via, pensava, escutava, mas não me mexia ou falava. E a todo instante me indagava cada vez mais aterrorizado: “E agora?”.
E os acontecimentos vieram. Fui levado ao velório. Que horror! Os familiares chorosos, vestidos de luto, discretos, comportavam-se como a sociedade exigia. Amigos e mais flores foram chegando. Escutei muitos comentários. Poucos faziam orações. Agiam como eu quando ia a velórios. Várias conversas, pessoas que havia tempos não se viam, falavam de tudo: negócios, esportes, mulheres, fofocas e muito sobre mim. Infelizmente, não mentiam. Minha esposa comportava-se com dignidade. Parecia que adivinhava o que alguns diziam: “Fora traída”. Tive muitas amantes. Os filhos não sentiam muito, sempre fora um pai distante. Dinheiro e política sempre vieram em primeiro lugar. Foi um horror! Via e ouvia tudo.
Apelei mentalmente e pedi: “Deus! Misericordioso Pai, ajude-me!”.
“Quantos lhe pediram por Deus! Você os atendeu? Ficará aqui e verá tudo!”
Notei então, que três vultos estranhos estavam do lado de trás do meu caixão, observando-me, e fora um deles quem falara. Ouvi desesperado que estava na hora do enterro. “E agora?” – perguntei de novo com muita aflição. Fecharam a tampa. Estranho, vi-me dentro e fora da urna funerária. Discursos. Quanta hipocrisia e mentiras! Colocaram o caixão no túmulo luxuoso com muitas coroas deflores. Todos se afastaram. Um dos vultos me disse:
- Agora terá a resposta para o que tanto indaga. Verá o que é de fato a morte para você que é ladrão e corrupto! Ficará aí dias junto do corpo de carne que tanto cultuou. Aproveite para pensar no que fez de errado!”
O escuro, o silêncio e o nada. Não sei explicar como, pois não os via ou ouvia, mas sabia que aqueles três vultos continuavam por perto, vigiando-me. Apavorei-me com o fato de estar ali preso. Achei que iria enlouquecer. Somente tinha a certeza de que de fato morrera. Mas que continuava vivo! Foi apavorante. Estava sozinho. A família, quando terminou a cerimônia do sepultamento, foi embora. Estavam cansados e pelas suas feições, estavam ansiosos para que tudo terminasse. Amigos… acho que poderia tachar de amigos somente uns três, os quais não podiam fazer mais nada por mim. O resto eram conhecidos, companheiros e até inimigos disfarçados.
Dinheiro, – lutei tanto para tê-lo, e o que ele me deu? Uma urna de luxo, flores e um túmulo de mármore. E naquele momento a riqueza material não me valia para nada.
Não vou intensificar o horror que passei. Vermes me comendo, dores, frio, sede, fome e muito medo. Estava enlouquecendo. Padeci muito!
- Vem! Escutei uma voz e alguém me puxou. Fora do caixão, sentei em cima do túmulo. Consegui ver os vultos, eram três homens e um deles falou:
- Você merecia ficar aí até seu corpo carnal virar pó. Mas o chefe quer julgá-lo. Vamos!
Pegaram-me pelos braços, saíram comigo do cemitério. Estava confuso, senti um certo alívio pelo ar que batia no meu rosto.
Chegamos a um local estranho e me deixaram num salão. Senti muito medo. Eu, acostumado a mandar, receber agrado e elogios, estava sendo humilhado e tratado como um ser desprezível.
Vi então uma cena aterrorizante. Era um julgamento conjunto de pessoas como eu, mortas-vivas. Para julgar, estavam ali um homem e uma mulher. Outro homem falava sobre os julgados e o que eles haviam feito. Chegou a minha vez.
- Você foi político! A lista de seus erros e pecados é grande! Gostava de orgias! Mulheres lindas e noites de farras! Disse muitas mentiras! Enganou o povo já tão sofrido. Recebeu dinheiro para fazer favores etc. De fato, a lista era grande e tudo verdade. Fui condenado.
- Será escravo! Chega de ser servido! Vai aprender a trabalhar! Colocaram um aro de ferro em meu pescoço e fiquei preso a uma corrente. Um homem me puxou. Começou para mim um longo período de muito sofrimento e humilhação. Gargalhando, um grupo de homens de aspecto maldoso, aproximou-se, despiu-me, deixando-me somente de calça, bateram-me muito, cuspiram em mim e xingaram-me. Sabia que havia morrido. Ou melhor, que havia desencarnado. Meu corpo físico estava lá no cemitério virando pó e meu espírito vivo. Ali sofri horrores. Foram muitos anos de padecimento. Antônio Carlos me pediu para não narrar tudo o que passei senão o relato ficaria extenso, pois não teve um dia no umbral que não sofri, sempre fui humilhado e maltratado. Eles riam do meu padecimento. – Por que reclama? – diziam meus carrascos. – Você se importou com as pessoas que sofriam? O dinheiro que roubou, que pegou indevidamente não foi causa de sofrimentos a outros?
Certo dia, comecei a achar que agira errado. Que vivera encarnado enganando e enganado. Meu choro passou a ser diferente e passei a ajudar os companheiros de infortúnio. Recordei-me de alguns atos bons que fizera, as esmolas que dera, favores que prestara e mesmo os que foram realizados por interesse. Nesses momentos sentia um pouquinho de alívio. Lembrei-me de Deus de modo diferente, como um Pai, o qual antes desprezara e que agora sentia falta. O remorso me fez ver que era merecido meu sofrimento. Abusara dos prazeres, não seguira nenhuma religião e sentia falta de uma crença. Sabia que muitos outros políticos sofriam muito mais do que eu. Os que foram muito desonestos e corruptos padeciam ali no umbral, de forma pior do que se fosse no inferno, se esse existisse. Muitos ficavam presos na caverna dos horrores, num buraco escuro e fétido sendo torturados e humilhados.
Um dia, um moço aproximou-se de mim, abriu o aro do meu pescoço com facilidade e me disse: – Vou tirá-lo daqui, siga-me quieto! Saímos daquela cidade, paramos em frente de um veículo, entramos nele e fui levado a um hospital. Lá, fui tratado com dignidade, bondade e me recuperei. Muitos desencarnados ao passarem pelo que passei, enlouquecem, tornam-se débeis, porém eu tive consciência e muito sofri. Padeço ainda, não consigo esquecer o que fiz de errado, sinto remorso, e esse sentimento me cobra, mas também me faz ter vontade de acertar. Mas o que mais sinto é ver meus familiares seguirem o mau exemplo que dei. Com certeza irão passar e sofrer o que sofri. E não posso fazer nada. Poderia até tentar, mas eles não acreditariam. Para minha família morri e acabei. Penso que seria bem mais fácil morrer e acabar. Mas não é assim. Foi longo o tratamento com aprendizado que recebi.
Sei de pessoas honradas e idealistas que foram e são políticas. E àqueles a quem muito foi dado e souberam usar, dignos serão de receber mais. E espíritos que passam por essa prova e trabalham se dedicando com amor à arte de governar são vencedores, eu os admiro. Sei que é difícil ter dinheiro e poder. Mas se muitos aprenderam a usar sem abusar, outros podem seguir seus bons exemplos.
Para mim, foi apavorante defrontar com a desencarnação. Não com o ato em si, mas com as consequências de meus erros. Aprendi com a dor. E tenho um propósito de colocar em prática esses ensinamentos. Quero reencarnar para ter a bênção do esquecimento e de um recomeço. Desejo esquecer o que fiz de errado e tentar fazer o certo. Tenho orado muito para ser honesto, anseio por ter essa virtude e provar a mim mesmo que posso ser uma pessoa de bem.
Explicação de Antônio Carlos
É de fato na hora da desencarnação que temos as companhias do plano espiritual às quais nos ligamos. Esse convidado não quis se identificar. Denominações são passageiras. Nos seus últimos dias encarnado, escutava os desencarnados que esperavam a morte do seu corpo físico. De fato, eles fizeram guarda no cemitério para que ele não saísse do túmulo e eles o perdessem. O julgamento que ele narrou, infelizmente é muito realizado em diversos lugares do umbral. André Luiz, através da mediunidade de Chico Xavier, no seu livro “Libertação”, relata-nos um desses julgamentos com muitos detalhes.
Pedi que ele não descrevesse seus padecimentos, porque esse amigo está ainda em tratamento e fica triste e amargurado quando recorda o que passou. Realmente, foi muito difícil. Essas sentenças acontecem porque há no umbral os que se denominam justiceiros e os que se sentem culpados. São julgados os que têm dentro de si, em suas consciências, atos errados. Isso não acontece com pessoas que não cometeram ações más.
Muitos perguntam: “Por que os espíritos bons não socorrem todos os que sofrem?”. Muitos dos que desprezam as lições que a vida oferece para aprender, recebem a dor, que tenta ensiná-los, impulsioná-los a caminhar. Não basta pedir somente para ficar livre do sofrimento. Agir assim é como não querer a ressaca, o sofrimento ocasionado pela reação, e sim querer continuar no vício, na prática dos erros.
Para ser socorrido tem que se fazer receptivo, pelo arrependimento sincero, com vontade de melhorar e se puder voltar no tempo, agir de outra forma. Esse convidado foi socorrido quando se modificou, arrependeu-se, reconhecendo seus erros e passou a ajudar outros desencarnados que sofriam mais do que ele.
Socorristas vão a todas as partes do umbral, auxiliando. Os que se sentem enlouquecidos e débeis são socorridos quando esses abnegados servos do bem sentem que eles querem se modificar ou que a dor foi persistente e que a lição pode ter sido assimilada.
Os imprudentes são muitos. Os que querem ser servidos também. Resta para serem socorristas os prudentes e trabalhadores. A messe é grande, os servos são poucos, disse-nos Jesus, e infelizmente nada ainda se modificou. Poderíamos mudar se todos quiséssemos servir…
Do livro “Morri. E agora?”, de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, pelo espírito Antônio Carlos.
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