Quando as notas são altas e tudo vai bem, ninguém pensa em discutir a relação. Se o boletim e o comportamento deixam a desejar, começa o jogo de empurra. Professores culpam a família "desestruturada", que não impõe limites nem se interessa pela Educação. Os pais, por sua vez, acusam a escola de negligente, quando não tacham o próprio filho de irresponsável. Nessa briga nada saudável , a única vítima é o aluno.
Escola e família têm os mesmos objetivos: fazer a criança se desenvolver em todos os aspectos e ter sucesso na aprendizagem. As instituições que conseguiram transformar os pais ou responsáveis em parceiros diminuíram os índices de evasão e de violência e melhoraram o rendimento das turmas de forma significativa.
Pesquisa realizada pelo instituto La Fabricca do Brasil, em conjunto com o Ministério da Educação, mostrou que há um desejo explícito por mais intimidade: 77,2% dos pais acham que um bom relacionamento entre as duas partes é raro, mas 43,7% gostariam que a escola promovesse mais reuniões, palestras e encontros para eles. Já 77,2% dos professores de instituições públicas consideram insatisfatória a participação dos familiares, mas 99,5% crêem ser de extrema importância um contato mais estreito.
Ninguém quer exigir que em casa sejam ensinados conteúdos de Matemática ou Ciências. Mas cabe aos pais verificar se a lição foi feita e elogiar quando o menino ou a menina calcula certo o troco do sorveteiro. O professor também não deve se sentir como o único responsável pela formação de valores. Porém, é fundamental considerar os que são trazidos de casa pelos estudantes e contribuir para fortalecer princípios éticos. "O segredo de uma boa relação é saber ouvir, respeitar as culturas e trabalhar junto", afirma Heloisa Szymanski, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Existem diversas formas de esse casamento se consolidar. Nesta reportagem, você vai conhecer algumas experiências bem-sucedidas, além de um guia com ações para a equipe pedagógica se aproximar de seu público. Vai encontrar dicas para educadores e responsáveis ajudarem os estudantes a ter sucesso, para manter o bom relacionamento com a família de adolescentes e solicitar a participação de pais analfabetos ou analfabetos funcionais.
A família dos dias de hoje
Para a relação ser duradoura, tem de se basear em respeito. Preconceito, portanto, não pode existir. Falar em família desestruturada ou desajustada não faz sentido quando se analisa a realidade doméstica atual. Tanto que a Organização das Nações Unidas, há mais de uma década, trouxe o tema para reflexão ao instituir o Ano Internacional da Família. Os documentos elaborados na época apontaram que a principal característica dessa instituição é a capacidade de seus membros de manter e educar seus dependentes para a vida, segundo princípios éticos, culturais e legais. Os vínculos biológicos (ser o pai ou a mãe), jurídicos (matrimônio formal ou não), afetivos (amor), domiciliares (morar sob o mesmo teto) ou econômicos (dependência financeira) podem existir juntos ou isoladamente.
Essa explicação é necessária para derrubar a primeira barreira que impede uma convivência eficiente: o fato de muitas vezes a escola achar que uma família, por não corresponder aos padrões tradicionais, não é capaz de cuidar da formação de seus descendentes. Antonio Carlos Gomes da Costa, presidente da organização não-governamental Modus Faciendi, em Belo Horizonte, acredita que em cada casa deveria existir um educador familiar: a pessoa que "adota" a criança em termos de orientação. "Pode ser o pai ou a mãe, mas isso não é regra. Tem de ser alguém interessado no processo de aprendizagem, não importando o preparo intelectual nem o vínculo biológico, e sim o afeto."
A família é o primeiro grupo com o qual a pessoa convive e seus membros são exemplos para a vida. No que diz respeito à Educação, se essas pessoas demonstrarem curiosidade em relação ao que acontece em sala de aula e reforçarem a importância do que está sendo aprendido, estarão dando uma enorme contribuição para o sucesso da aprendizagem. Pode parecer simples, e é. Tanto que é exatamente o que tem sido pedido aos responsáveis pelos estudantes de todos os níveis de ensino.
Mostrar isso às famílias é tarefa dos educadores. Para tanto, é preciso um trabalho de conquista. Só que é impossível haver aproximação quando só são marcados encontros para falar de problemas. Isso causa antipatia e repulsa. O bom relacionamento deve começar na matrícula e se estender a todos os momentos.
Entrosamento total
Envolver os familiares na elaboração da proposta pedagógica pode ser a meta dos educadores ávidos por um entrosamento total com eles. Foi o que fez a EE Giulio David Leone, em São Paulo. Em 1994, os professores da Giulio sentiram na pele a rejeição dos pais ao chamá-los para conversar sobre a implantação do sistema modular de ensino. Depois de expor o projeto, a diretora Marlene Rodrigues da Cruz ouviu de vários deles: "Pior não fica". Chocada com o comentário, ela viu que, antes de qualquer iniciativa, era preciso mobilizar a equipe pedagógica para resgatar a credibilidade da instituição. Ao longo dos anos, reuniões eram convocadas a cada dois meses não para reclamar do comportamento dos estudantes, mas para contar o que eles iriam aprender, para que e como. Quem compareceu ajudou na consolidação do novo projeto pedagógico.
Os encontros eram marcados por dinâmicas nas quais os participantes percebiam a importância do trabalho conjunto. Aos pais (principalmente nos finais de semana) e aos alunos (sempre no contraturno) foram oferecidas oficinas de culinária, teatro, informática e jogos recreativos, entre outras. Hoje, depois de 12 anos de parceria consolidada, os resultados falam por si: a retenção caiu de 45% para 2% (antes mesmo da implantação da progressão continuada); a evasão recuou de 20% para 3%; e o número dos que prestam vestibular saltou para 60%, contra menos de 1% em 1994.
Marina Tavares, mãe de quatro alunos da Giulio, elevou o conceito sobre a escola depois que foi envolvida no processo e o conheceu de perto. Contribuiu também para a mudança o tratamento recebido quando um dos meninos, Douglas, hoje com 14 anos, apresentou dificuldades nos estudos em virtude da morte do pai. Após algumas conversas com a coordenação pedagógica, ela passou a acompanhar as lições de casa e a se envolver nas tarefas propostas pela professora. Sem computador em casa, Marina vai com Douglas até um cyber café do bairro para ajudá-lo em pesquisas.
Na EE Bolivar Tinoco Mineiro, na periferia de Belo Horizonte, a parceria com a família foi ainda mais intensa. No ano passado, a professora Joana D'Arc Santana Fonseca colocou Vanilda de Jesus dentro da sala de aula. Mãe de Pedro Henrique, 10 anos, ela se ofereceu para ficar ao lado dele e impulsioná-lo a superar um sério problema de dispersão, que o impedia de prestar atenção e de participar das atividades em grupo: "Como não acabei os estudos [ela cursou até a 3ª série], achei que não seria útil, mas só com a minha presença ele progrediu". Em casa, ela olha os cadernos todos os dias depois que volta do trabalho. "Ficou mais gostoso estudar ao lado dela", conta o menino, que continua freqüentando as aulas de reforço, mas viu as notas melhorarem sensivelmente.
A Bolivar Tinoco também está em processo de mudança de imagem para resgatar o prestígio. Ela era depredada e rodeada por um lixão, o que afastava o público e a comunidade. O programa Escola Viva Comunidade Ativa, implantado pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, fez com que o espaço em que havia entulho e dejetos virasse horta. Ali, estudantes mais velhos, pais e vizinhos trabalham no cultivo de hortaliças e ervas medicinais. Os pequenos vão até lá para aprender os mais diversos conteúdos. O colégio virou referência no bairro e acabou com a evasão. Diego de Paula Miranda, 17 anos, está no 2º ano do Ensino Médio, voltou a estudar lá e é um dos que cuidam da horta com o pai, o líder comunitário Itamar de Paula Santos.
Visitar as casas dos alunos
Nas grandes cidades, a falta de tempo é um dos fatores que afastam as famílias da escola. Na área rural, é a distância. O uso do transporte pelos estudantes transforma aquela conversa na porta de entrada em uma ocasião cada vez mais rara. Ainda que rápido, o encontro serve para troca de informações entre o professor e os pais. Contudo, essa realidade não pode servir de desculpa para a falta de contato. Algumas ações ajudam a suprir a carência, como uma pesquisa com as famílias para saber de sua rotina, hábitos e preferências e ela pode ser feita pelas próprias crianças ou durante uma visita pessoal do educador.
Sentindo que o afastamento poderia prejudicar seriamente o trabalho pedagógico, Simone Fiorese Weiss, da EMEF Espírito Santo, em Colorado, no interior do Rio Grande do Sul, optou pelo contato direto. Levou a turma toda para conhecer a moradia dos 14 estudantes da 3ª série, há dois anos. "Desde então, os pais demonstram mais confiança em meu trabalho, comparecem às reuniões e acompanham as lições", afirma.
As famílias sentiram-se valorizadas não só pela presença da professora em casa mas também pelo uso que Simone fez do que era aprendido nas visitas. Tudo virou conteúdo para ser pesquisado e estudado em sala de aula. Alguns exemplos:
A diferença entre agricultura comercial e de subsistência e a formação de condomínios para compra e uso de equipamentos agrícolas observadas durante a visita à família de Bruna Nicolao.
O aprofundamento do estudo dos mamíferos, o perigo da contaminação do solo provocado pelos chiqueiros e os pontos cardeais na confecção da maquete da propriedade em que mora Daniel Santos, que tem como principal atividade a criação de suínos.
A importância da alimentação natural e o cultivo de hortaliças em estufas, aprendizados iniciados na casa de Catrine Lammers.
"Depois dessa iniciativa da professora, minha filha deixou de ser tímida e agora se interessa por tudo. Até parece repórter", brinca Edair Nicolao, pai de Bruna. Jussara e Ademir Santos, pais de Daniel, lembram que o guri tinha muita dificuldade em redação no início do ano. Agora, seus textos são exemplares: "Ficou muito mais fácil escrever sobre assuntos e pessoas que eu conheço", justifica ele.
Portas sempre abertas
A Escola Teia Multicultural, em São Paulo, optou por uma estratégia diferente, mas que agradou muito a seu público. Existe um convite permanente para os pais irem até lá todas as sextas-feiras após as 18 horas. O encontro começa com uma atividade cultural (show de música, apresentação de dança etc.) ou uma dinâmica coletiva. Depois, a conversa com os professores flui naturalmente para o trabalho pedagógico e o progresso da garotada. "Queremos formar uma comunidade", diz a coordenadora pedagógica Elaine Naldi Martins.
A proximidade entre as pessoas que freqüentam a escola e atuam nela leva também à diminuição da violência. Na rede estadual de São Paulo, as ocorrências recuaram 51% desde 2003, quando foi implantado em toda a rede o Programa Escola da Família. A EE Castro Alves, na capital, vítima de roubo de equipamentos, pichação e quebradeira, nunca mais registrou agressões desde que passou a receber de 500 a 800 pessoas nos finais de semana. Os avanços no comportamento e no aprendizado dos alunos já estão sendo sentidos. Waldirene Gaboni não foi mais chamada para ouvir reclamações sobre a indisciplina do filho Moacir, 13 anos - o que era rotina na outra escola em que estudava. Depois da transferência, a família passa o sábado na Castro Alves. Ela começou a freqüentar a oficina de panificação; a filha Bruna, 8 anos, cuida da brinquedoteca para os pequenos; Moacir aprende a fazer mangá com uma colega do Ensino Médio; e o pai, também Moacir, faz a manutenção nos computadores e dá curso de Informática como voluntário. "Passei a valorizar mais o trabalho dos professores e agora, em casa, conversamos muito sobre tudo o que acontece na sala de aula", conta Waldirene.
Abrir os portões para os pais é uma via de mão dupla: ao mesmo tempo que requisitam a parceria deles para melhorar a aprendizagem, os educadores devem estar preparados para receber críticas e implantar sugestões. Há dois anos, a EE Arício Fortes, em Aracaju, conseguiu atrair familiares oferecendo, duas vezes por semana, aulas de ginástica e dança.
Quando o programa Escola e Comunidade foi implantado pela Secretaria de Estado da Educação de Sergipe nas unidades da capital, a oferta de atividades foi ampliada, mas muitos pais já estavam envolvidos com a rotina escolar. Tanto que requisitaram ao diretor, Anderson Magalhães Oliveira, uma maneira de acompanhar tudo o que acontecia por lá. Foi criada uma ficha individual, atualizada diariamente por três pedagogas, contratadas exclusivamente para essa missão. Maria de Lourdes Tintiliano a consulta sempre para se inteirar do desenvolvimento da neta Itaianá de Oliveira, da 7ª série. No projeto realizado no ano passado sobre os 150 anos de Aracaju, os parentes foram as fontes de informação dos estudantes sobre a cidade antiga, ajudaram na confecção de maquetes e até na apresentação no dia da feira cultural, como fez Maria Isabel Santos Gonçalves, mãe de Tatiana, da 8ª série. As reuniões de pais - que antes registravam três ou quatro presenças - agora vivem lotadas. Em março, para discutir a implantação do período integral, apareceram 190 pessoas - e são 220 os matriculados nesse regime.
Para Antonio Carlos Gomes da Costa, o importante é que os familiares se engajem totalmente: "Os mais comprometidos, ainda que sejam minoria, têm capacidade de influenciar o restante da comunidade e mudar a escola". E essa mudança pode ser o segredo do sucesso para uma relação duradoura e com final feliz.
Escola e família têm os mesmos objetivos: fazer a criança se desenvolver em todos os aspectos e ter sucesso na aprendizagem. As instituições que conseguiram transformar os pais ou responsáveis em parceiros diminuíram os índices de evasão e de violência e melhoraram o rendimento das turmas de forma significativa.
Pesquisa realizada pelo instituto La Fabricca do Brasil, em conjunto com o Ministério da Educação, mostrou que há um desejo explícito por mais intimidade: 77,2% dos pais acham que um bom relacionamento entre as duas partes é raro, mas 43,7% gostariam que a escola promovesse mais reuniões, palestras e encontros para eles. Já 77,2% dos professores de instituições públicas consideram insatisfatória a participação dos familiares, mas 99,5% crêem ser de extrema importância um contato mais estreito.
Ninguém quer exigir que em casa sejam ensinados conteúdos de Matemática ou Ciências. Mas cabe aos pais verificar se a lição foi feita e elogiar quando o menino ou a menina calcula certo o troco do sorveteiro. O professor também não deve se sentir como o único responsável pela formação de valores. Porém, é fundamental considerar os que são trazidos de casa pelos estudantes e contribuir para fortalecer princípios éticos. "O segredo de uma boa relação é saber ouvir, respeitar as culturas e trabalhar junto", afirma Heloisa Szymanski, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Existem diversas formas de esse casamento se consolidar. Nesta reportagem, você vai conhecer algumas experiências bem-sucedidas, além de um guia com ações para a equipe pedagógica se aproximar de seu público. Vai encontrar dicas para educadores e responsáveis ajudarem os estudantes a ter sucesso, para manter o bom relacionamento com a família de adolescentes e solicitar a participação de pais analfabetos ou analfabetos funcionais.
A família dos dias de hoje
Para a relação ser duradoura, tem de se basear em respeito. Preconceito, portanto, não pode existir. Falar em família desestruturada ou desajustada não faz sentido quando se analisa a realidade doméstica atual. Tanto que a Organização das Nações Unidas, há mais de uma década, trouxe o tema para reflexão ao instituir o Ano Internacional da Família. Os documentos elaborados na época apontaram que a principal característica dessa instituição é a capacidade de seus membros de manter e educar seus dependentes para a vida, segundo princípios éticos, culturais e legais. Os vínculos biológicos (ser o pai ou a mãe), jurídicos (matrimônio formal ou não), afetivos (amor), domiciliares (morar sob o mesmo teto) ou econômicos (dependência financeira) podem existir juntos ou isoladamente.
Essa explicação é necessária para derrubar a primeira barreira que impede uma convivência eficiente: o fato de muitas vezes a escola achar que uma família, por não corresponder aos padrões tradicionais, não é capaz de cuidar da formação de seus descendentes. Antonio Carlos Gomes da Costa, presidente da organização não-governamental Modus Faciendi, em Belo Horizonte, acredita que em cada casa deveria existir um educador familiar: a pessoa que "adota" a criança em termos de orientação. "Pode ser o pai ou a mãe, mas isso não é regra. Tem de ser alguém interessado no processo de aprendizagem, não importando o preparo intelectual nem o vínculo biológico, e sim o afeto."
A família é o primeiro grupo com o qual a pessoa convive e seus membros são exemplos para a vida. No que diz respeito à Educação, se essas pessoas demonstrarem curiosidade em relação ao que acontece em sala de aula e reforçarem a importância do que está sendo aprendido, estarão dando uma enorme contribuição para o sucesso da aprendizagem. Pode parecer simples, e é. Tanto que é exatamente o que tem sido pedido aos responsáveis pelos estudantes de todos os níveis de ensino.
Mostrar isso às famílias é tarefa dos educadores. Para tanto, é preciso um trabalho de conquista. Só que é impossível haver aproximação quando só são marcados encontros para falar de problemas. Isso causa antipatia e repulsa. O bom relacionamento deve começar na matrícula e se estender a todos os momentos.
Entrosamento total
Envolver os familiares na elaboração da proposta pedagógica pode ser a meta dos educadores ávidos por um entrosamento total com eles. Foi o que fez a EE Giulio David Leone, em São Paulo. Em 1994, os professores da Giulio sentiram na pele a rejeição dos pais ao chamá-los para conversar sobre a implantação do sistema modular de ensino. Depois de expor o projeto, a diretora Marlene Rodrigues da Cruz ouviu de vários deles: "Pior não fica". Chocada com o comentário, ela viu que, antes de qualquer iniciativa, era preciso mobilizar a equipe pedagógica para resgatar a credibilidade da instituição. Ao longo dos anos, reuniões eram convocadas a cada dois meses não para reclamar do comportamento dos estudantes, mas para contar o que eles iriam aprender, para que e como. Quem compareceu ajudou na consolidação do novo projeto pedagógico.
Os encontros eram marcados por dinâmicas nas quais os participantes percebiam a importância do trabalho conjunto. Aos pais (principalmente nos finais de semana) e aos alunos (sempre no contraturno) foram oferecidas oficinas de culinária, teatro, informática e jogos recreativos, entre outras. Hoje, depois de 12 anos de parceria consolidada, os resultados falam por si: a retenção caiu de 45% para 2% (antes mesmo da implantação da progressão continuada); a evasão recuou de 20% para 3%; e o número dos que prestam vestibular saltou para 60%, contra menos de 1% em 1994.
Marina Tavares, mãe de quatro alunos da Giulio, elevou o conceito sobre a escola depois que foi envolvida no processo e o conheceu de perto. Contribuiu também para a mudança o tratamento recebido quando um dos meninos, Douglas, hoje com 14 anos, apresentou dificuldades nos estudos em virtude da morte do pai. Após algumas conversas com a coordenação pedagógica, ela passou a acompanhar as lições de casa e a se envolver nas tarefas propostas pela professora. Sem computador em casa, Marina vai com Douglas até um cyber café do bairro para ajudá-lo em pesquisas.
Na EE Bolivar Tinoco Mineiro, na periferia de Belo Horizonte, a parceria com a família foi ainda mais intensa. No ano passado, a professora Joana D'Arc Santana Fonseca colocou Vanilda de Jesus dentro da sala de aula. Mãe de Pedro Henrique, 10 anos, ela se ofereceu para ficar ao lado dele e impulsioná-lo a superar um sério problema de dispersão, que o impedia de prestar atenção e de participar das atividades em grupo: "Como não acabei os estudos [ela cursou até a 3ª série], achei que não seria útil, mas só com a minha presença ele progrediu". Em casa, ela olha os cadernos todos os dias depois que volta do trabalho. "Ficou mais gostoso estudar ao lado dela", conta o menino, que continua freqüentando as aulas de reforço, mas viu as notas melhorarem sensivelmente.
A Bolivar Tinoco também está em processo de mudança de imagem para resgatar o prestígio. Ela era depredada e rodeada por um lixão, o que afastava o público e a comunidade. O programa Escola Viva Comunidade Ativa, implantado pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, fez com que o espaço em que havia entulho e dejetos virasse horta. Ali, estudantes mais velhos, pais e vizinhos trabalham no cultivo de hortaliças e ervas medicinais. Os pequenos vão até lá para aprender os mais diversos conteúdos. O colégio virou referência no bairro e acabou com a evasão. Diego de Paula Miranda, 17 anos, está no 2º ano do Ensino Médio, voltou a estudar lá e é um dos que cuidam da horta com o pai, o líder comunitário Itamar de Paula Santos.
Visitar as casas dos alunos
Nas grandes cidades, a falta de tempo é um dos fatores que afastam as famílias da escola. Na área rural, é a distância. O uso do transporte pelos estudantes transforma aquela conversa na porta de entrada em uma ocasião cada vez mais rara. Ainda que rápido, o encontro serve para troca de informações entre o professor e os pais. Contudo, essa realidade não pode servir de desculpa para a falta de contato. Algumas ações ajudam a suprir a carência, como uma pesquisa com as famílias para saber de sua rotina, hábitos e preferências e ela pode ser feita pelas próprias crianças ou durante uma visita pessoal do educador.
Sentindo que o afastamento poderia prejudicar seriamente o trabalho pedagógico, Simone Fiorese Weiss, da EMEF Espírito Santo, em Colorado, no interior do Rio Grande do Sul, optou pelo contato direto. Levou a turma toda para conhecer a moradia dos 14 estudantes da 3ª série, há dois anos. "Desde então, os pais demonstram mais confiança em meu trabalho, comparecem às reuniões e acompanham as lições", afirma.
As famílias sentiram-se valorizadas não só pela presença da professora em casa mas também pelo uso que Simone fez do que era aprendido nas visitas. Tudo virou conteúdo para ser pesquisado e estudado em sala de aula. Alguns exemplos:
A diferença entre agricultura comercial e de subsistência e a formação de condomínios para compra e uso de equipamentos agrícolas observadas durante a visita à família de Bruna Nicolao.
O aprofundamento do estudo dos mamíferos, o perigo da contaminação do solo provocado pelos chiqueiros e os pontos cardeais na confecção da maquete da propriedade em que mora Daniel Santos, que tem como principal atividade a criação de suínos.
A importância da alimentação natural e o cultivo de hortaliças em estufas, aprendizados iniciados na casa de Catrine Lammers.
"Depois dessa iniciativa da professora, minha filha deixou de ser tímida e agora se interessa por tudo. Até parece repórter", brinca Edair Nicolao, pai de Bruna. Jussara e Ademir Santos, pais de Daniel, lembram que o guri tinha muita dificuldade em redação no início do ano. Agora, seus textos são exemplares: "Ficou muito mais fácil escrever sobre assuntos e pessoas que eu conheço", justifica ele.
Portas sempre abertas
A Escola Teia Multicultural, em São Paulo, optou por uma estratégia diferente, mas que agradou muito a seu público. Existe um convite permanente para os pais irem até lá todas as sextas-feiras após as 18 horas. O encontro começa com uma atividade cultural (show de música, apresentação de dança etc.) ou uma dinâmica coletiva. Depois, a conversa com os professores flui naturalmente para o trabalho pedagógico e o progresso da garotada. "Queremos formar uma comunidade", diz a coordenadora pedagógica Elaine Naldi Martins.
A proximidade entre as pessoas que freqüentam a escola e atuam nela leva também à diminuição da violência. Na rede estadual de São Paulo, as ocorrências recuaram 51% desde 2003, quando foi implantado em toda a rede o Programa Escola da Família. A EE Castro Alves, na capital, vítima de roubo de equipamentos, pichação e quebradeira, nunca mais registrou agressões desde que passou a receber de 500 a 800 pessoas nos finais de semana. Os avanços no comportamento e no aprendizado dos alunos já estão sendo sentidos. Waldirene Gaboni não foi mais chamada para ouvir reclamações sobre a indisciplina do filho Moacir, 13 anos - o que era rotina na outra escola em que estudava. Depois da transferência, a família passa o sábado na Castro Alves. Ela começou a freqüentar a oficina de panificação; a filha Bruna, 8 anos, cuida da brinquedoteca para os pequenos; Moacir aprende a fazer mangá com uma colega do Ensino Médio; e o pai, também Moacir, faz a manutenção nos computadores e dá curso de Informática como voluntário. "Passei a valorizar mais o trabalho dos professores e agora, em casa, conversamos muito sobre tudo o que acontece na sala de aula", conta Waldirene.
Abrir os portões para os pais é uma via de mão dupla: ao mesmo tempo que requisitam a parceria deles para melhorar a aprendizagem, os educadores devem estar preparados para receber críticas e implantar sugestões. Há dois anos, a EE Arício Fortes, em Aracaju, conseguiu atrair familiares oferecendo, duas vezes por semana, aulas de ginástica e dança.
Quando o programa Escola e Comunidade foi implantado pela Secretaria de Estado da Educação de Sergipe nas unidades da capital, a oferta de atividades foi ampliada, mas muitos pais já estavam envolvidos com a rotina escolar. Tanto que requisitaram ao diretor, Anderson Magalhães Oliveira, uma maneira de acompanhar tudo o que acontecia por lá. Foi criada uma ficha individual, atualizada diariamente por três pedagogas, contratadas exclusivamente para essa missão. Maria de Lourdes Tintiliano a consulta sempre para se inteirar do desenvolvimento da neta Itaianá de Oliveira, da 7ª série. No projeto realizado no ano passado sobre os 150 anos de Aracaju, os parentes foram as fontes de informação dos estudantes sobre a cidade antiga, ajudaram na confecção de maquetes e até na apresentação no dia da feira cultural, como fez Maria Isabel Santos Gonçalves, mãe de Tatiana, da 8ª série. As reuniões de pais - que antes registravam três ou quatro presenças - agora vivem lotadas. Em março, para discutir a implantação do período integral, apareceram 190 pessoas - e são 220 os matriculados nesse regime.
Para Antonio Carlos Gomes da Costa, o importante é que os familiares se engajem totalmente: "Os mais comprometidos, ainda que sejam minoria, têm capacidade de influenciar o restante da comunidade e mudar a escola". E essa mudança pode ser o segredo do sucesso para uma relação duradoura e com final feliz.
Guia para um bom relacionamento
Juntas, desde o comecinho A parceria da escola com a família pode ocorrer em vários níveis e momentos. Regina Scarpa, coordenadora pedagógica da Fundação Victor Civita, elaborou essa lista de ações para ajudar a estreitar o contato:
"Uma das vantagens de ter essa relação fortalecida é que os pais exigem cada vez mais qualidade da escola".
Matrícula
Logo no primeiro contato, cabe ao diretor ou ao coordenador mostrar o espaço físico e a proposta pedagógica, ouvir dúvidas e responder com clareza.
Com a matrícula efetuada, o ideal é conhecer o percurso escolar do novo aluno, as preferências e gostos dele, dados sobre saúde, relacionamento e comportamento em casa.
Na Educação Infantil, informar-se sobre os hábitos alimentares e a rotina, para facilitar a adaptação.
Definir em conjunto quais serão os canais de comunicação (bilhetes, e-mails, telefone).
Reuniões
Comunicar logo no começo do ano o dia e o horário previstos para os encontros, de preferência compatíveis com os de quem trabalha fora.
Na convocação, citar os objetivos da reunião.
Explicar para que a escola ensina determinados conteúdos, como ela ensina e como a criança aprende.
Mostrar a evolução da aprendizagem dos jovens.
Informar sobre os projetos didáticos e perguntar como cada família pode contribuir.
Dia a dia
Convidar os responsáveis para falar sobre a profissão deles sempre que for interessante para o entendimento de conteúdos e projetos.
Chamar pais, avós ou tios para ir à escola contar histórias do passado, ler livros, ensinar uma brincadeira ou fazer um doce.
Chamar os pais não só para comparecer mas também para ajudar na organização de festas juninas, feiras de Ciências e jornadas culturais ou esportivas.
Abrir a biblioteca, o laboratório de Informática e a quadra de esportes para uso dos familiares.
Promover palestras e debates que tenham como objetivo a formação dos pais, tratando de assuntos de interesse geral, como saúde, mídia, drogas, sexualidade etc.
Enviar relatórios periódicos sobre o desempenho da classe e as conquistas individuais.
Informar sobre mudanças na estrutura física, na organização do espaço e do tempo escolar ou na equipe pedagógica.
Comunidade
Distribuir lista com os nomes e contatos de todos os pais ou abrir fórum na internet para que eles se conheçam e troquem informações.
Só visitar as famílias para aproximar nunca para averiguar, julgar ou fazer inferências.
Para os pais
Atitudes que favorecem o sucesso dos filhos*1. Fale sempre bem da escola para criar em seu filho uma expectativa positiva em relação aos estudos.
2. Abrace-o e deseje coisas boas a ele quando estiver de saída para a aula.
3. Na volta, procure saber como foi o dia dele, o que aprendeu e como se relacionou com todos.
4. Conheça o professor e converse com ele sobre a criança e o trabalho dela na escola.
5. Em caso de notas baixas, não espere ser chamado: vá à escola para saber o que está acontecendo.
6. Mantenha uma relação de respeito, carinho e consideração com todos os professores.
7. Resolva diretamente os problemas entre você, seu filho e o professor e só recorra a outros em último caso.
8. Crie o hábito de observar os materiais escolares e ajude nas lições de casa.
9. Quando seu filho estiver com problemas, compartilhe-os com a escola sem omitir fatos nem julgar atitudes.
10. Comente com amigos e parentes os êxitos escolares dele, por menores que sejam, para reforçar a auto-estima e a autoconfiança.
Trabalho permanente
Na adolescência, atenção redobrada Quando as crianças são pequenas, o interesse da família pela vida escolar é maior: os responsáveis querem saber como elas se comportaram na aula e as conquistas que fazem. O tempo passa, a molecada cresce e fica mais independente. Os adultos acham que o adolescente já sabe cuidar de si e não precisa de tutoria. Engano: "Quanto mais autonomia tem o jovem, mais a parceria entre família e escola deve se fortalecer", afirma Antonio Carlos Gomes da Costa. É nessa fase que os jovens vão construir a identidade e seu projeto de vida, tarefas nada fáceis.
Por isso, quanto mais esses dois pilares estiverem em sintonia, mais fácil fica para eles planejarem o futuro. Participar de reuniões e se informar sobre os aprendizados continua sendo fundamental, mas é hora de os responsáveis ficarem atentos às mudanças de comportamento e comunicarem a escola. Esta, por sua vez, deve promover atividades recreativas que possam ser praticadas ou apreciadas conjuntamente, como jogos, shows de música, teatro etc. Gomes da Costa acha importante criar espaços para discutir valores e promover o protagonismo juvenil em ações sociais, campanhas comunitárias e a educação para o mundo do trabalho.
Questão de cidadania
E se os pais forem analfabetos? Muitos professores sentem-se constrangidos em pedir a pais analfabetos ou analfabetos funcionais para acompanhar a lição de casa. Yara Prado, secretária adjunta da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, afirma que é função dos educadores mostrar que eles não são os responsáveis pelo processo de aquisição do conhecimento, mas que o interesse deles pode fazer toda a diferença. A secretaria, ao lançar em abril o programa Ler e Escrever Prioridade na Escola Municipal, publicou a cartilha Conversa com os Pais. "O aluno evolui com mais facilidade quando percebe que os responsáveis valorizam o aprendizado", afirma Yara. Mesmo sem intimidade com a língua escrita, os familiares estão aptos a uma série de ações:
Falar sobre a importância de saber ler e escrever para a vida pessoal e profissional.
Escutar as crianças lendo em voz alta, com paciência e sem corrigi-las caso errem ou gaguejem.
Estimular o interesse por livros, revistas ou jornais pedindo que tragam esse material da biblioteca.
Não fazer da leitura obrigação nem castigo.
Pedir que escrevam bilhetes, listas de compras.
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