A diversidade de textos de boa qualidade ajudam as crianças a construírem referências para a própria produção. Foto: Mariana Pekin
Vocês já devem ter ouvido os alunos dizerem algumas dessas expressões: “deu branco, não sei o que escrever”, “hoje estou sem inspiração” e “não vai sair nada!” São angústias que aparecem frequentemente quando propomos atividades de escrita. E isso não é exclusividade das crianças! Quantas vezes nós mesmos dizemos essas coisas diante da folha em branco?
Lembro-me que, quando eu era pequena, na 3ª série (que atualmente chamamos de 4°ano), minha professora colocava na lousa uma dessas imagens de calendário, de algum animal ou de uma criança, e pedia que a olhássemos com atenção durante alguns minutos. Então, ela propunha a produção de um texto – quase sempre narrativo – com base no que havíamos observado, e só. Que tarefa complicada! Meus escritos saíam sempre a muito custo, com pouca criatividade e clareza. Escrevíamos para a professora ler, sem grande preocupação em produzir algo que tivesse alguma utilidade para além da sala de aula. Eram outros tempos.
Esses exercícios eram um tanto penosos porque ninguém escreve do nada. A escrita precisa de um “terreno fértil” para nascer, se expandir, fluir! Para produzir bons textos, precisamos de alguns elementos: um ambiente que inspire e estimule a criatividade, uma exploração prévia dos assuntos que serão abordados e leituras de qualidade, que permitam explorar as características de um gênero, o estilo do autor etc.
As leituras de referência são importantíssimas porque é com base nelas que o aluno constrói as referências para a escrita. A isso damos o nome de modelização. Modelizar significa repertoriar o aluno por meio da apresentação de textos que sirvam como modelo para as produções. Ou seja, apresentar textos de boa qualidade, de fontes confiáveis e autores reconhecidos, que sejam do mesmo tipo que a atividade propõe. Se a proposta é escrever poesia, seleciono bons poemas. Se é produzir textos científicos, tento encontrar artigos interessantes, e assim por diante. Assim, a turma pode ler boas referências do gênero para se familiarizar com ele e identificar suas principais características.
Ao longo dos últimos 15 anos, pelo menos, venho aprimorando minha metodologia de ensino da escrita e dando mais importância à modelização, que representa a terceira etapa do processo que antecede a produção de texto propriamente dita. Essas fases são as seguintes:
1. Preparação do terreno
Começo fazendo questionamentos que levem os alunos à reflexão sobre a atividade que vou propor. Já leu algum texto desse tipo que vamos produzir? Qual será o tema, o assunto da produção? Para quem ela será feita? E com qual finalidade? Onde circulará, em qual suporte? Que características de gênero ela precisará ter? Qual será a sua forma gráfica? Será dividida em partes? Quais são elas? Com essas perguntas, a turma a começar a pensar e a materializar a proposta.
2. Exploração prévia do assunto
Essa etapa é inspiradora! E é a que garante que os estudantes tenham elementos e informações úteis para criar o conteúdo. Para dar esses subsídios, faço rodas de conversa, exibo vídeos como animações e documentários, leio com eles diversos tipos de textos sobre o assunto e em diferentes suportes, como jornais, livros e revistas, proponho pesquisas e muito mais! Às vezes até crio um cenário em sala de aula, com músicas e outros elementos que remetam ao tema. As crianças adoram!
3. Modelização
Aqui chegamos à etapa de que estamos falando, que é a principal desse processo: a hora de oferecer aos alunos bons modelos para a escrita. Cito um caso, para ilustrar. Para que meus alunos escrevessem lengalengas tão boas, apresentei antes vários exemplares desse gênero, como o Tumbalacatumba, Tangolomango, entre outros. Cantamos, brincamos no pátio da escola, explorando oralmente os textos, e lemos todos eles identificando as características comuns. Contei, ainda, como as lengalengas chegaram ao Brasil, pelas mãos dos colonizadores, e finalizei a modelização com um livro de lengalenga de Tatiana Belinky, chamado Dez sacizinhos. Tatiana é uma autora reconhecida por sua qualidade. Com boas referências como essas, fica muito mais fácil e prazeroso escrever.
Depois de tudo isso, quando os alunos já estão com uma boa bagagem, é que chegamos à produção. Começamos com a escrita de texto coletivo, quando, além de ser a escriba, faço intervenções com perguntas que levem à melhor forma de escrever e garantam que todos participem. Depois, passamos para a escrita em duplas, tendo o cuidado de pensar em agrupamentos produtivos e, se for necessário, voltamos à escrita de texto coletivo ou fazemos mais atividades em dupla. Finalmente, a escrita individual, momento em que o aluno põe em prática tudo o que aprendeu. Em todos esses momentos, lemos e revisamos tudo o que é escrito. Nas revisões coletivas, uso a lousa, ou um cartaz, ou ainda um projetor ligado a um computador, jogando na tela o editor de textos.
Planejar e modelizar são etapas fundamentais para a produção de qualquer tipo de texto. Posso dizer que, na maioria das vezes, colho ótimos resultados. É muito bom ver os alunos escrevendo coisas tão legais, e sem sofrer tanto na frente do papel vazio, como eu quando era criança.
Um grande abraço, boa escrita a todos e até segunda-feira!
Mara Mansani
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